sábado, 16 de abril de 2011

Arrepio

Eram onze horas, já se aproximava o horário de almoço. Desde o início da manhã - não havia ainda tomado café -, eu tentava resolver um problema, sem sucesso. Meu trabalho sempre me foi satisfatório e aquele problema me incomodava. Não faz sentido, eu dizia, continuando a procurar cabelo em ovo.

Entretanto, minha cabeça girava em torno de dois problemas, que se entrelaçavam e me rompiam mutuamente. Eu estava apaixonada, era verdade. Aliás, era tanto uma novidade quanto a forma como ele lidava comigo. Ele estava diferente, comentava minhas mudanças para mim e para os outros com elogios discretos. Isso me confundia, de certa forma, talvez ele sempre fosse assim e apenas agora o visse com outros olhos.

Então, tive a impressão de que algo iria acontecer. Todos combinavam um almoço fora, certos da presença de todos. Eu tinha outros planos, porque a ânsia de resolver meu problema era grande. O relatório estava pronto, mas em algum ponto desandava e eu não conseguia obter meu resultado, que era óbvio, mas devia ser demonstrado. Ele deliberadamente não se pronunciava sobre o almoço, até que o convidaram objetivamente. No que ele recusou, insistiram pedantemente - diziam que ele não se misturava - pela sua presença, no que ele comentou brevemente sua insatisfação com o lugar escolhido. Eu também havia rejeitado o convite, pois devia terminar o relatório o quanto antes possível, como se fossem informações desconhecidas de meus superiores.

Todos já haviam saído para o almoço e chegava o meio-dia quando consegui terminar meu relatório. Aliviada, imprimi e levei à minha chefe, que já havia saído para almoçar. Este formato de hierarquia sempre me pareceu estúpido, ainda mais quando vai além de ser ineficaz e prejudica a vida dos subordinados. Entretanto, sabia insconscientemente, desde quando acordara, que seria um bom dia.

Quando voltava à sala, meu colega estava se ajeitando para sair. Eu comentei contente de ter resolvido meu problema, mas demonstrando incômodo pela falta de consideração da chefia. Eu senti no olhar dele a vontade de me retribuir, quando me convidou para acompanhá-lo durante o almoço. Estou livre, respondi, como um jeito de dizer que não tinha outros planos, vamos, continuei. Ele então mostrou uma face enigmática, enquanto seu corpo se levantava e seu braço cruzava minhas costas repousando no meu ombro, me dirigindo em direção à saída. Ele se mostrava imponente, era mais alto e muito mais forte do que eu. Estava protegida, acolhida, tão próxima dele, cada vez mais sentimental.

Fomos assim até seu carro. Ele entrou e por dentro abriu a porta para mim. Logo nos ajeitamos, ligou o carro e o rádio e partimos. Começamos a andar por ruas desconhecidas quando começou a tocar uma música linda. Fiquei arrepiada, esta música me deixa sempre emocionada. Ele notou, constrangido, e segurou minha mão muito sem jeito. Meus olhos deixaram de ficar embargados e começaram a chorar. Fiquei envergonhada e queria muito expor meus sentimentos e por isso chorava mais, pois estava brigando comigo mesma.

Ele então desligou o rádio e sorriu. Naquele momento, só queria que ele soubesse como o quero tanto. Chegamos no local. Ele realmente tem bom gosto e fez muito sentido sua escolha, além de demonstrar o quanto era seguro de si. O local era espaçoso, confortável, organizado e bem decorado, tive uma ótima impressão de lá. Sentamos à mesa e logo fomos nos servir. O buffet era completo e tinha os pratos que adoro.

Voltamos à mesa e à medida que comíamos, começamos a conversar. Divergíamos sobre assuntos aleatórios, enquanto ele demonstrava sua insatisfação, acredito que fosse sua vontade falar sobre a situação que ocorrera no carro. Assim, puxei assunto sobre a música que havia iniciado tudo. Ele dizia ter se assustado, com uma expressão enternecida, no que me expliquei dizendo que aquela música era muito bonita e que me emocionava fácil. Pausamos brevemente a conversa, até que ele, baixinho, com uma insegurança nítida em sua voz, fala exatamente assim:

- Tu não tava chorando até eu tocar em ti.

Tive a impressão de que ele se arrependera disso e fiquei impactada. Ele havia notado como ele fazia diferença para mim. Sorri acoada, tentando disfarçar o medo e lhe respondi um simples "é verdade". Tinha vontade de contar para ele, de gritar para todo mundo o que me faria bem, porém fiquei apenas com o queixo apoiado sobre as mãos entrelaçadas como uma cama suspensa por pés que eram meus cotovelos e fiquei em transe olhando nos seus olhos. Na cultura oriental, diz-se que os olhos são a janela da alma.

Acredito que ele entendera a mensagem. Voltamos muito mais soltos, enquanto ele me contava de algumas particularidades íntimas. Trabalhamos a tarde inteira numa rotina comum. Eu estava dispersa nos meus pensamentos, nas minhas vontades. Era fim do expediente e liguei o rádio. A música estava tocando novamente e tornei a ficar sentimental.

Estávamos todos de saída, a sala sempre é fechada no mesmo horário. Ele me acompanhou até a saída. Ele foi comigo até a parada de ônibus, todos se despediram e ficamos a sós. Timidamente segurou meus cabelos e me perguntou ao pé do ouvido se tinha algum programa para a próxima sexta após o serviço. Eu fiquei arrepiada e balbuciei que ainda não tinha qualquer plano. Ele, num tom sedutor, retrucou pedindo que eu não marcasse nada. Eu o olhei, desconstruída, aceitando seu convite implícito com uma piscadela.

Meu ônibus chegou, nos despedimos afetuosamente. Subi no ônibus, paguei minha passagem e sentei na janela. Notei que ele ainda me olhava, mas petrificada mirei apenas a frente do ônibus. O sinal abriu e logo estava em movimento. Olhei pra trás e vi seu olhar. Retribui com um um leve aceno com a cabeça. Estava novamente arrepiada, sem acreditar no que havia acontecido. Estava enebriada, sem saber o que estava por vir. Outro problema estava resolvido, mesmo que, repetidamente hoje, o resultado ainda não tivesse sido apreciado, desta vez isto não era incômodo, era reconfortante.

Obrigado, Coldplay.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom o seu post... Coldplay que inspirou mesmo você?