sexta-feira, 12 de junho de 2020

Ponto-e-vírgula

Pulsar a solidão é um caminho de construção. Como me ver sem ver o outro? Posso me comparar comigo no espelho? Assim como um radar, jogo pulsos para ver se encontro algo. Aguardo o pulso voltar. E assim me transmito em ondas sem que ninguém perceba. Pulsar é jogar pra fora e se retrair. É tentar desaparecer deixando rastros. E voltar a ser um ponto, sem forma, vaga, solta e inexpressiva e fingir a vida. Pulsar é ver o desejo e rir dele. É tentar ver algo onde não há. O vazio é o que me acompanha. E construo o vazio em tantas formas, em tantas fôrmas imaginárias tão pequenas que só cabe ali uma coisa: o vazio. Percebo que a dualidade só existe se vejo outro. E me formo como base una apenas quando vejo o outro. Quando há outro, sou uma intersecção em Venn de dois círculos. Mas não sou o círculo ou sua união, sou apenas o vazio em sua volta. Sou o medo e a decepção. E onde devia existir interdepedência, só há vacuidade. Não existe não-dualidade porque não tem dualidade. Não posso ser nem a afirmação nem a negação do outro. Nesse momento, apenas eu e o outro, no mesmo ponto, sendo nada.

Pulso, punço, convulso. No caminhar das minhas veias, vazio. O vazio que percorre meu coração, meus pulmões, volta ao coração, meus rins, intestino e todas as tripas que me acompanham. Sou esse esqueleto de ossos porosos, onde tem mais vazio do que cálcio, que não é eu. Eu não sou meu carbono, meu cálcio, meu ferro, e o resto da tabela periódica impregnados em volta de mim. Não sou uma alma, uma essência, uma eternidade. Nem sou o espaço que ocupo, nem o ar que inspiro e expiro. Sou um pulso no vazio. Punço minhas veias transparentes de inexistência, e encontro nada. No coração, que pulsa erraticamente à procura de algo para bombear, só existe o vazio nutritivo. E ao se desperar no pulso que dura mais de 12 segundos, convulsiono.

Construo a pesquisa do que há fora de mim. Necessito de valores para entender o mundo que pensa existir. O mundo pensa e logo existe. Em sequência ao pulso de pensamento, a mente finge que é dor, a dor que deveras sente. E o pulso ainda pulsa. O mundo não é acessível aos sentido que se espalham pelos meus sentidos e retornam distorcidos pela possível existência de outro. O mundo só é qualitativo quando é quantitativo. E tento medir tudo isso que mandei pra fora e recebi. Sinto que penso, logo finjo e desmonto. Aqui não tem mais nada pra ver. Afirmar a existência e ter medo de perdê-la. De repente, a humanidade está à beira do precipício e treme de medo. O que há para temer em algo inerte? Por que o desespero da morte emerge? Ela só se torna eminente porque o perigo não é o abismo. O perigo é a humanidade em si, olhando como narciso pra si mesma ao fundo do poço e se apaixonando. O perigo de enamorar-se de si mesmo é a decepção. As flores estão por todos os lados e a existência não é um pedaço de papel afirmando que você nasceu. E nasceu categorizado, delineado, carimbado, desfigurado. Quando a gente nasce, ganha um nome, não uma foto. E quem a gente constrói no caminho é o pulso de solidão que acompanha cada um de nós. A dualidade começa a se formar quando notamos nós mesmos construindo a nós mesmos. E na dualidade em que vejo outro em mim mesma, o vazio perde a forma que descrevi tão precisamente.

A gente nasce num pedaço de papel e tem de morrer num pedaço de papel. Somos a sequência que acompanha dois papéis informando ao mundo a nossa própria existência. Porque existir não é meramente conhecer o vazio, o espaço, a forma. A mente tenta pulsar, e ao pulsar finge a existência que ela mesma acredita. A mente tem fé. Não percebe a poeira que é no universo. Verso que se compõe pela forma, pela força, pela vida. A morte é apenas a exatidão do que sempre fomos. À vida, somos simplesmente jogados. A vida é a pulsão que me carrega, enquanto eu faço de tudo pra ver os outros pra ver se entendo a mim mesma. Sou por comparação e sem comparação, não sou. Sou o falseamento, e logo sou o vazio. A existência é um prato que se come frio.

Tento me desconstruir e construir de novo. Derrubo tudo e as telhas que me cobrem e as paredes de tijolos que lhe sustentam não me servem mais. Construo caminhos pra me percorrer, quase como uma gincana. Uma diversão perigosa, à espreita do minotauro. Explodo a mim mesma em mil pontos e mil pontos se unem sem dimensão. Construo-me à minha imagem e semelhança. Insatisfeita, assemelho-me ao meu contrário e meu contrário é vazio. Assim, sou em parte vazia, em parte eu, procurando um mundo para construir, destruir, desconstruir, reformar, revoltar, revisar. Como um ponto, finjo uma revolução e tudo à minha volta gira. Sou a minha própria referência. O centro do meu próprio pulsar.

Nesse espaço, o tempo deforma minha existência e recebo todos os pulsos fingindo vida, só que já não são mais meus. Interagiram. E sendo meus e interagindo, passo a ser parte dos outros. O pulso ainda pulsa. Fingem que me vêem e me escondo. Será que jogam pulsos também? Construo minha própria solidão. O caminho é composto, construído, tergiversado. Tanta coisa que se estraga ao mesmo tempo, no mesmo espaço, meus pulsos à minha volta griiitam para serem resgatados. Há flores por todos os lados. Ao redor do precipício, tudo é beira. E a humanidade treme embasbacada. Todas as frases tem ponto final, como a vida. O ponto que sou. Tudo mede o que tudo sente. E sente muito por isso ter acontecido. Sou meu próprio negativo e sinto. Sinto duvidando o tempo todo. Preciso pulsar, preciso refletir, preciso sentar e ouvir. É preciso navegar, não é preciso viver. Imagine viver de pulsar?

Pulso. Doze segundos de escuridão. Talvez tenha algo lá, mas não importa. Meu destino é pulsar. Meu sucesso é justamente pulsar porque ninguém além de mim precisa isso. O espaço vazio do oceano, mira o navegante que finge que é preciso. Errou a rota mais uma vez e nem sabe onde foi parar. Poderia ser um ponto final, mas oriento. Ele é seu próprio ponto. Orientando, finjo mais existência e pulso mais. Não porque alguém precise do pulso, nem eu mesma preciso do pulso. O pulso precisa de si mesmo, pra ir e voltar, como sua própria partícula. É um radar autômato. Um radar comunicativo. Um eu que busca captar as mesmas frequências. Quem poderia ser mais interessante que o pulso se não sua própria reflexão. É seu negativo sendo a si mesmo. O fenômeno físico que descreve quem sou como ponto, em construção.

Nada continua conforme o pulso cansa. Mas o pulso ainda pulsa. Ritmo é apenas a distorção do tempo. Reflexão é distorção do espaço. E distorcida fico eu, com meu próprio pulso. O pulso me mostra minha existência. Sou o caminho que obriga ele a percorrer e voltar quando encontra nada. O pulso vem e volta pro nada. Sou um ponto e encerro com ponto final o fim. O fim que tem certificado de fim, se não, não é oficial. Esse é o pulso que os outros esperam do meu fim. Um fim categorizado, descritivo, filiado, carimbado. É impossível sermos felizes para sempre. Somos um ponto que volta a ser ponto no vazio que é um ponto, esse é nosso único sempre. Um ponto à beira do precipício, tremendo, como quem tem febre e espirra. E tosse como que pulsando aos outros o seu ponto final. O precipício é o outro.

Me isolo pra pulsar pro nada, à beira do precipício. Construo o precipício como construi a mim. Uma obra prima, nada se assemelha a mim, se não eu. E só eu posso decidir justamente o ponto final do precipício. Pulso para o abismo e nada enxergo. Ufa, nada pode me atrair até lá. Pulso para mim mesma e balanço tudo em volta da beira. Eu sou o precipício. A boca que se alimenta dos seus pulsos. Quem come é quem penetra ou quem é mastigado? O precipício sou eu. Eu sou a beira e o meio. Penetra-me e te devoro. Sou o nada de onde se veio e pra onde se volta. O nada é tudo o que se tem. Sou o nada e nada me completa. Sou o abismo em cada olho, em cada voz, em cada nudez. A alma é a janela dos olhos, uma alma que não existe. Você não é um corpo e tem uma essência. Você é essa essência que não existe, num corpo que se liquefaz, mastigado, digerido. Você pula em direção ao precipício para encontrar a si. Tenta sair do outro lado do precipício e sai como que envolto de uma película. Passa a pensar que é a película, e, pensando enganado, deixa de existir. Só o que é verdadeiro pode existir. E o que é verdadeiro pode ser falseado. E para ser falseado precisa de observação. E para ser observado, precisa do outro. E para a existência do outro, precisa de si. E precisa que o outro perceba a si. O outro percebe a si quando olha em minha direção e me constrói, enquanto eu construo o outro. A interdependência é a única forma de existência. A individualidade é uma ilusão. Tente existir no vazio e vai ver seu pulsar colapsar.

O ponto final se aproxima a cada ponto digitado. É digitado com meus dígitos, que fingem a existência em outra coisa que finjo para minha existência. O ponto final sou eu e o precipício no mesmo lugar. Enquanto isso, sou ponto-e-vírgula;

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