segunda-feira, 20 de julho de 2020

Pouco

Sou tão pouco
Não existe perfeição
Sou tão pouco
Só existe ilusão

Sou tão pouco e tão incompleta
Que mal figuro o pouco que sou
Sou e estou em pouco
Em poucos lugares e poucos tempos
Poucos corações e poucas mentes

Não existe perfeccionismo
O pouco que existe é débil
O nome também é pouco
A identidade é ruim
A personalidade é vazia

O pouco que existe é insegurança
A identidade é tão pouco
Os documentos são provisórios
A percepção é passageira

Pelo menos,
Pouco não é nada

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Chagas

Nas feridas abertas, escorre sangue escuro
Espera as plaquetas taparem o dano
Para voltar lá e mexer nela
O estrago foi te ter tão perto

Os pontos, intervenção externa para fechá-la
Não interrompem a dor de ter sido aberta
Você faz questão de mostrar que ter feito isso não lhe incomoda
Eu faço questão de não me aproximar de novo

Quando sair da minha gaiola
Quero voar pra bem longe
Deixar sarar e cair casquinha

Me deixar ser dividida em três partes
Antes, durante e depois de você
Então, você poderá ver que já era tarde

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Ponto-e-vírgula

Pulsar a solidão é um caminho de construção. Como me ver sem ver o outro? Posso me comparar comigo no espelho? Assim como um radar, jogo pulsos para ver se encontro algo. Aguardo o pulso voltar. E assim me transmito em ondas sem que ninguém perceba. Pulsar é jogar pra fora e se retrair. É tentar desaparecer deixando rastros. E voltar a ser um ponto, sem forma, vaga, solta e inexpressiva e fingir a vida. Pulsar é ver o desejo e rir dele. É tentar ver algo onde não há. O vazio é o que me acompanha. E construo o vazio em tantas formas, em tantas fôrmas imaginárias tão pequenas que só cabe ali uma coisa: o vazio. Percebo que a dualidade só existe se vejo outro. E me formo como base una apenas quando vejo o outro. Quando há outro, sou uma intersecção em Venn de dois círculos. Mas não sou o círculo ou sua união, sou apenas o vazio em sua volta. Sou o medo e a decepção. E onde devia existir interdepedência, só há vacuidade. Não existe não-dualidade porque não tem dualidade. Não posso ser nem a afirmação nem a negação do outro. Nesse momento, apenas eu e o outro, no mesmo ponto, sendo nada.

Pulso, punço, convulso. No caminhar das minhas veias, vazio. O vazio que percorre meu coração, meus pulmões, volta ao coração, meus rins, intestino e todas as tripas que me acompanham. Sou esse esqueleto de ossos porosos, onde tem mais vazio do que cálcio, que não é eu. Eu não sou meu carbono, meu cálcio, meu ferro, e o resto da tabela periódica impregnados em volta de mim. Não sou uma alma, uma essência, uma eternidade. Nem sou o espaço que ocupo, nem o ar que inspiro e expiro. Sou um pulso no vazio. Punço minhas veias transparentes de inexistência, e encontro nada. No coração, que pulsa erraticamente à procura de algo para bombear, só existe o vazio nutritivo. E ao se desperar no pulso que dura mais de 12 segundos, convulsiono.

Construo a pesquisa do que há fora de mim. Necessito de valores para entender o mundo que pensa existir. O mundo pensa e logo existe. Em sequência ao pulso de pensamento, a mente finge que é dor, a dor que deveras sente. E o pulso ainda pulsa. O mundo não é acessível aos sentido que se espalham pelos meus sentidos e retornam distorcidos pela possível existência de outro. O mundo só é qualitativo quando é quantitativo. E tento medir tudo isso que mandei pra fora e recebi. Sinto que penso, logo finjo e desmonto. Aqui não tem mais nada pra ver. Afirmar a existência e ter medo de perdê-la. De repente, a humanidade está à beira do precipício e treme de medo. O que há para temer em algo inerte? Por que o desespero da morte emerge? Ela só se torna eminente porque o perigo não é o abismo. O perigo é a humanidade em si, olhando como narciso pra si mesma ao fundo do poço e se apaixonando. O perigo de enamorar-se de si mesmo é a decepção. As flores estão por todos os lados e a existência não é um pedaço de papel afirmando que você nasceu. E nasceu categorizado, delineado, carimbado, desfigurado. Quando a gente nasce, ganha um nome, não uma foto. E quem a gente constrói no caminho é o pulso de solidão que acompanha cada um de nós. A dualidade começa a se formar quando notamos nós mesmos construindo a nós mesmos. E na dualidade em que vejo outro em mim mesma, o vazio perde a forma que descrevi tão precisamente.

A gente nasce num pedaço de papel e tem de morrer num pedaço de papel. Somos a sequência que acompanha dois papéis informando ao mundo a nossa própria existência. Porque existir não é meramente conhecer o vazio, o espaço, a forma. A mente tenta pulsar, e ao pulsar finge a existência que ela mesma acredita. A mente tem fé. Não percebe a poeira que é no universo. Verso que se compõe pela forma, pela força, pela vida. A morte é apenas a exatidão do que sempre fomos. À vida, somos simplesmente jogados. A vida é a pulsão que me carrega, enquanto eu faço de tudo pra ver os outros pra ver se entendo a mim mesma. Sou por comparação e sem comparação, não sou. Sou o falseamento, e logo sou o vazio. A existência é um prato que se come frio.

Tento me desconstruir e construir de novo. Derrubo tudo e as telhas que me cobrem e as paredes de tijolos que lhe sustentam não me servem mais. Construo caminhos pra me percorrer, quase como uma gincana. Uma diversão perigosa, à espreita do minotauro. Explodo a mim mesma em mil pontos e mil pontos se unem sem dimensão. Construo-me à minha imagem e semelhança. Insatisfeita, assemelho-me ao meu contrário e meu contrário é vazio. Assim, sou em parte vazia, em parte eu, procurando um mundo para construir, destruir, desconstruir, reformar, revoltar, revisar. Como um ponto, finjo uma revolução e tudo à minha volta gira. Sou a minha própria referência. O centro do meu próprio pulsar.

Nesse espaço, o tempo deforma minha existência e recebo todos os pulsos fingindo vida, só que já não são mais meus. Interagiram. E sendo meus e interagindo, passo a ser parte dos outros. O pulso ainda pulsa. Fingem que me vêem e me escondo. Será que jogam pulsos também? Construo minha própria solidão. O caminho é composto, construído, tergiversado. Tanta coisa que se estraga ao mesmo tempo, no mesmo espaço, meus pulsos à minha volta griiitam para serem resgatados. Há flores por todos os lados. Ao redor do precipício, tudo é beira. E a humanidade treme embasbacada. Todas as frases tem ponto final, como a vida. O ponto que sou. Tudo mede o que tudo sente. E sente muito por isso ter acontecido. Sou meu próprio negativo e sinto. Sinto duvidando o tempo todo. Preciso pulsar, preciso refletir, preciso sentar e ouvir. É preciso navegar, não é preciso viver. Imagine viver de pulsar?

Pulso. Doze segundos de escuridão. Talvez tenha algo lá, mas não importa. Meu destino é pulsar. Meu sucesso é justamente pulsar porque ninguém além de mim precisa isso. O espaço vazio do oceano, mira o navegante que finge que é preciso. Errou a rota mais uma vez e nem sabe onde foi parar. Poderia ser um ponto final, mas oriento. Ele é seu próprio ponto. Orientando, finjo mais existência e pulso mais. Não porque alguém precise do pulso, nem eu mesma preciso do pulso. O pulso precisa de si mesmo, pra ir e voltar, como sua própria partícula. É um radar autômato. Um radar comunicativo. Um eu que busca captar as mesmas frequências. Quem poderia ser mais interessante que o pulso se não sua própria reflexão. É seu negativo sendo a si mesmo. O fenômeno físico que descreve quem sou como ponto, em construção.

Nada continua conforme o pulso cansa. Mas o pulso ainda pulsa. Ritmo é apenas a distorção do tempo. Reflexão é distorção do espaço. E distorcida fico eu, com meu próprio pulso. O pulso me mostra minha existência. Sou o caminho que obriga ele a percorrer e voltar quando encontra nada. O pulso vem e volta pro nada. Sou um ponto e encerro com ponto final o fim. O fim que tem certificado de fim, se não, não é oficial. Esse é o pulso que os outros esperam do meu fim. Um fim categorizado, descritivo, filiado, carimbado. É impossível sermos felizes para sempre. Somos um ponto que volta a ser ponto no vazio que é um ponto, esse é nosso único sempre. Um ponto à beira do precipício, tremendo, como quem tem febre e espirra. E tosse como que pulsando aos outros o seu ponto final. O precipício é o outro.

Me isolo pra pulsar pro nada, à beira do precipício. Construo o precipício como construi a mim. Uma obra prima, nada se assemelha a mim, se não eu. E só eu posso decidir justamente o ponto final do precipício. Pulso para o abismo e nada enxergo. Ufa, nada pode me atrair até lá. Pulso para mim mesma e balanço tudo em volta da beira. Eu sou o precipício. A boca que se alimenta dos seus pulsos. Quem come é quem penetra ou quem é mastigado? O precipício sou eu. Eu sou a beira e o meio. Penetra-me e te devoro. Sou o nada de onde se veio e pra onde se volta. O nada é tudo o que se tem. Sou o nada e nada me completa. Sou o abismo em cada olho, em cada voz, em cada nudez. A alma é a janela dos olhos, uma alma que não existe. Você não é um corpo e tem uma essência. Você é essa essência que não existe, num corpo que se liquefaz, mastigado, digerido. Você pula em direção ao precipício para encontrar a si. Tenta sair do outro lado do precipício e sai como que envolto de uma película. Passa a pensar que é a película, e, pensando enganado, deixa de existir. Só o que é verdadeiro pode existir. E o que é verdadeiro pode ser falseado. E para ser falseado precisa de observação. E para ser observado, precisa do outro. E para a existência do outro, precisa de si. E precisa que o outro perceba a si. O outro percebe a si quando olha em minha direção e me constrói, enquanto eu construo o outro. A interdependência é a única forma de existência. A individualidade é uma ilusão. Tente existir no vazio e vai ver seu pulsar colapsar.

O ponto final se aproxima a cada ponto digitado. É digitado com meus dígitos, que fingem a existência em outra coisa que finjo para minha existência. O ponto final sou eu e o precipício no mesmo lugar. Enquanto isso, sou ponto-e-vírgula;

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Roxo

Pro céu, sou fruta mordida
A casca fina, rugosa
Sabor doce, sou cítrica
De cor escura, brilhosa

Do pé, você me colheu
Escorreguei, ia ao chão
De pé, me arremeteu
Recolhida, fui ao teu coração

Era eu, pequenina nas tuas mãos
Lágrimas-brasa, desejo, medo
Os pensamentos que me dizem não

Amar quem não pode ser desejada
Na confusão dos teus sentimentos
Sou fruto proibido, renegada

Inspirada na Alex, da Guilhermina Velicastelo. "Parece amora, parece amor", Karina Buhr. Cazuza sabia a dificuldade de ter um amor tranquilo. 8, 7, 10.

domingo, 19 de abril de 2020

Óbvio

A franja de cabelo balançava em minha face conforme o vento soprava. Estava de frente para o rio, sol das duas da tarde. O vento frio se chocava com minha pele enquanto o sol tentava reaquecê-la e meu casaco fechado guardava o calor que produzia. Ele, atrás de mim, me abraçava passando as mãos em minha cintura, uma segurando a outra na altura do meu ventre. O frio e o quente eram todos a mesma sensação ao mesmo tempo. O silêncio era apenas humano, a natureza preenchia este espaço com seus sopros e cantos.

Fazia dias que não tínhamos um tempo assim, pra nós dois. Nos últimos meses, era sempre um ir e vir desmedido, automático, congelante. Todos os dias pareciam iguais, e eu ali, sendo igual. Ele ia e vinha sendo igual e nós iguais em dias iguais. De vez em quando me pegava pensando: afinal, para quê? A onde estamos indo? Por que estamos juntos? Que cansaço. Tão logo a pergunta vinha, ele voltava perguntando sobre o que iriámos jantar naquela noite. Que cansaço. Além de resolver as minhas dúvidas, tinha de resolver as dele. E nenhuma tinha resposta, não era possível pensar em tudo, não é possível responder tudo. Talvez eu só não quisesse mais mesmo, seja lá o que fosse que eu não quisesse.

Ao acordar neste sábado, só sentia uma imensa letargia. A semana foi tão pesada que é como se um caminhão tivesse passado por cima dos meus sonhos. Não podia ser mãe. Não podia gerar o futuro. Isso me martelava. Não porque fosse necessário ser mãe, blasfêmia. Só que é como se a força da criação tivesse se extinguido em mim. De repente, só podia conceber o presente. O desafio era imenso. Uma vida esperando pelo futuro, pelo próximo passo. Ir carregando o presente como se fosse uma necessidade do futuro, só que não havia mais futuro. Só havia presente.

O que poderia fazer com um presente que se repetia à espera de um futuro? Ele parecia ter ignorado. Em nada havia sido afetado. E o que era pior, havia me ignorado, não percebia o que se passava. Já era robótico há tanto tempo que eu já sabia seus horários, suas perguntas, suas piadas sem graça tentando melhorar isso, a falta de trato com qualquer coisa que não fosse o trabalho. Naquele momento, só via uma máquina de engrenagens grossas e toscas. O que eu estava fazendo ali mesmo? Como pude me deixar levar pelo destino social? Só a beira do abismo do sonho coletivo para o pesadelo para me fazer acordar.

Todo o desejo de futuro tinha de passar para desejo de presente. Agora, neste instante, não depois. Agora! Sábado! Isso mesmo, neste sábado. Só que sábado foi quando as energias se esgotaram. Estava ali, imóvel na cama. Deitada de barriga pra cima, pernas cruzadas, só conseguia olhar o teto branco e me sentir assim, em branco. Uma folha amassada sem nada escrito. Nada me completava, tudo me era indiferente. Blur. Não percebi que horas ele levantou, nem pensava no que foi fazer da sua vida robótica. Era a sua vida, não a minha. A vida dele era outra forma de futuro que eu não podia mais carregar. Afinal, como me deixei levar pela corrente coletiva de ir carregando tantas coisas sem conseguir carregar mais a mim mesma? Fui caindo aos pedaços pelo caminho, só carregando e carregando e carregando. Até que acabou o futuro.

Devo ter passado horas assim, sem conceber nada. O mundo era um vazio completo. Até que ele veio devagarinho conversar comigo. Sentou na beirada da cama enquanto eu estava na diagonal ignorando qualquer outra necessidade.

- Josi. A gente precisa conversar sobre isso. Não sei bem como começar, na verdade... nem devo ser eu a começar. Eu preciso saber, como você está?

- Ai, Paulo. Faz quatro dias. Quatro dias que nem eu sei como estou. Eu não consigo mais comer direito, minha cabeça dói. É um desespero. É como se algo dentro de mim tivesse se quebrado. E o que você fez por mim? Nesses dias que eu mais precisava de atenção, de carinho, tu seguiu tua vida. Sinceramente, achei que você nunca ia perguntar como eu estava. Estou assim, sentindo o amargor de te ter aqui do meu lado.

Paulo ficou em silêncio. Seu semblante parecia calmo e isso me irritava muito. Que homem desgraçado! Eu podia estar sangrando por dentro e ele só queria saber se eu podia acordar ele na hora certa de manhã. Depois de alguns minutos, a angústia voltou e eu comecei a chorar.

- Amor, a gente precisava deste momento. Sabia que não adiantava falar contigo antes, a explosão seria muito maior e eu não ia ter como ajudar. Queria te deixar claro que tu pode apagar completamente minhas expectativas, pensa apenas em ti. Sei, nós já falamos como ia ser legal ter uma filha, imaginamos brincando com ela várias vezes, ensinando a comer, a andar. Lembra que já tínhamos idéia até de onde colocar ela pra estudar? Como podia se virar na escola, se proteger, fazer amigos. Isso tudo pode ser muito lindo, mas é só nossa idealização. Toda a parte de não dormir direito por meses, ficar acordados esperando voltar de madrugada, sofrer pelas feridas que sofresse. Sente que era apenas uma ilusão.

Do choro, comecei a me acalmar. A respiração ofegante ia se reduzindo em pulso. Meus olhos vermelhos fitavam ele com esperança e ansiedade.

-Existem tantos futuros diferentes. Podemos ser viajantes e conhecer lugares que nem sabemos que existem. Ou ter uma vida pacata em uma casa aconchegante, quem sabe um jardim com tomates? Olha que legal. A gente pode ser tanta coisa, e eu só tenho uma grande certeza sobre isso. Eu quero ser muita coisa junto de ti! Eu sei que eu tenho sido meio ausente e poderia ficar procurando justificativas até a gente cansar desta conversa e seguir como era antes. Mas não é isso o que eu quero!

Paulo veio ao meu encontro e me abraçou. Meus braços dormentes nem conseguiram reagir a tempo. O calor da sua aproximação contrastava com os raios de sol que batiam no móvel amarelo e chegavam no teto. Não sei se era a vista embaçada, só sei que o teto não era mais branco. Como se meu corpo tivesse desperto, abracei ele com toda a força. Ergui minhas pernas e enlacei em volta dele. Não havia mais como me tirar dali. Do presente, daquele momento. Era a única coisa que eu estava sentido. Que se dane o que a gente podia vir a ser, eu quero ser agora, e agora é este abraço.

Ainda conversamos mais um pouco, com mais calma. Ouvi também como ele estava se sentindo com isso tudo. Um laço de amizade que vinha definhando voltou a ser tecido. Estávamos ali, no presente, juntos. Viemos dar uma volta de tarde. De tarde, em frente ao rio, vendo o vento nas águas, sentindo o sol na pele. Sua barba no meu pescoço tinha tantos significados, e agora mais este, a sensação do presente.

Diários metafóricos de uma quarentena postergante. As tubas me disseram que estão grávidas. "Se é de metáforas que se vive a vida, tente outra vez!". É raulzito, eu lembro de cor, só me falta aprender. 

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Somos quem fazemos de nós mesmos

Construímos a nós mesmos, no plural
Do que se faz sozinho, individual
Se propaga aos outros, no social
Se dissipa nos sonhos, ideal

Do que faço contigo, te juro
Do que erro repetido, me multo
Quero conhecer o infinito, me frustro
Vocês fingindo, lhes julgo

Sonhos que queremos ter
Somos quem, de nós, queremos ver
E fazemos

Somos quem podemos fazer
Dos sonhos que podemos ter
E viveremos

Mais uma vez os Engenheiros do Hawaii me acompanham. E só uma pitadinha de Sartre.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Só mais um sábado

Era só mais um sábado, sol entre nuvens, vento fraco, poucos ônibus na rua. Era mais um sábado, um dia que se repete a cada sete dias, e eu, junto com ele, me repetia a cada sete dias. Acordar às oito e meia da manhã e ficar me enrolando; nove horas com um café passado; dez horas e a leitura do jornal - isso não se repete da mesma forma, ora papel, ora tela; um pouco de redes sociais até cansar; onze e meia começa o preparo das refeições do fim de semana. Solidão, mais um dia que se repete.

Começo a almoçar e sinto que o arroz ficou muito salgado. Gelo mais água, tomo um suco de limão muito ácido. A garganta ferve, nenhum áudio sai. O silêncio é rei, mais um dia se repete. Existe um pouco de aflição na calma. O nada a fazer é a falta de realizar o querer. O desejo e a vontade, imersas no tudo que me rodeia. Livros que ainda não li, indicações musicais esperando na playlist. Esse é o querer do meu eu ideal, só que eu continuo aqui, querendo outra coisa.

Resolvo descer e dar uma volta no quarteirão. A temperatura amena como a minha vida, o balanço das folhas douradas das árvores no chão enquanto se esfarelam nos ciclos da vida. Um cachorro começa a latir. Uma mariposa levanta da parede e se despede num balançar de asas. Meus passos são curtos e lentos. Todas as vias são caminhos suficientes para quem não sabe para onde ir.

Um vizinho que só conheço de rosto está regando a grama do jardim. Nos cumprimentamos, sorrisos abertos para aqueles a quem não conhecemos, mas reconhecemos. Se o sorriso é espaço público, o olhar é espaço privado. Ninguém desvia a boca, legível até para os menos treinados. No entanto, com frequência se desvia o olhar.

O arrepio, a vontade, a tarde ardia. Era uma espera. Algumas coisas são questão de tempo. O silêncio é o espaço da fala. A solidão é o campo da estima. Eu só queria mudar, mais um dia que se repete. Meu corpo é a parca expressão de mim. Sou muito muito mais do que meus ossos. O que penso, o que escrevo, o que faço, com quem me relaciono, quem influencio. Se uma parte da minha carne já não está em mim, outra por ali já preenche. O vazio e as bordas são muito mais adequadas do que formas pontiagudas. Essa sou eu, em solidão. As pessoas que eu sinto e como me sinto nelas são situações únicas, quando são.

A solidão não é um espaço nulo, nem um colapso. É só a falta de conexão que perdura em cada interação. Não é falta de fogo, são apenas convenções sociais. Cada corpo é coagido a ocupar apenas certas posições, mas eu não aceito isso. A solidão não é uma escolha, mas um acontecimento social. Os afetos vêm de laços sanguíneos, boas amizades, alguns conhecidos, e só.

Um sábado se repete enquanto eu me repito. O sábado se repete porque a sociedade se repete. Somos pequenas alterações das gerações anteriores, e isso já faz muito tempo. No portão, a chave é inserida e destrava a entrada. Sento no sofá e vejo o tempo passar com algumas músicas na minha cabeça. Hoje a janta vai ser com vinho - a água gelada vai ficar para amanhã cedo -, beringelas à milanesa fritas sem óleo, arroz. Assistir alguma série para conhecer algumas histórias falsas novas, acompanhada de algumas azeitonas. Logo, logo, não será mais sábado.

Kim Ki-young e Pitty me acompanhando nos escritos de hoje.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Stelle di mezzanotte

Há mais de 5 anos ele surgia
Um novo astro brilhava radiante
Sua luz iluminava meu coração
Sua proximidade era eletrizante

Por muito tempo estive com ele
Este astro me conduzia pela via láctea
Éramos um binário girando enternecido
Navegando pelas teias do espaço-tempo

Por muito tempo ele esteve comigo
Cuidando da cadência com seu pulsar
Da carência com seu cuidar
Da vivência com seu amar

Aos poucos seu núcleo foi mudando
De oxigênio que produzia
Agora era pesado ferro
Que desgastava nossa convivência

De repente, passei a ser simples pessoa na janela
E este astro, só mais uma estrela no céu
No passado e no espaço se distanciava
A mais de 5 anos-luz de mim

É meia-noite
Acendo a lâmpada
Não há nada mais para ver lá
Começa então um novo dia

Um pouco de Miles Davis para embalar um término

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Devenir fou

As ajuntações se repetem nesse período. Os sonhos se despedem, meus olhos se abrem e percebo que passa das seis da tarde. O celular vibra e chama minha atenção para as inúmeras mensagens pedindo pra confirmar o rolê de hoje. O sol se põe, enquanto eu me levanto. ¡Nossa, preciso escovar os dentes pra tirar esse gosto de vômito da boca! Vou despertando. A preguiça e a lentidão me acompanham nesse almoço às sete da noite. Coloco minha calça rasgada-suja e uma camiseta com uma frase niilista que expressa minha decepção com a humanidade que produz a sexta grande extinção em massa no holoceno. O lápis de olho se mistura com as olheiras e o batom preto mascara meu sorriso. Pego minha vodka e saio, não preciso de mais nada pra fazer bobagem. Cética, só posso acreditar nos sentidos. Entorpecê-los é tentar buscar prazer pra essa mente amargurada e pessimista. Assim começa mais um dia nesse planeta de idiotas.

A lua e os celulares iluminam a via em que eu e meus amigos marcamos de nos encontrar. O som do bumbo da bateria se propaga pelo beco enquanto meus amigos vão chegando. Logo, o ritual de cumprimentos, piadas idiotas e goles espalhafatosos se sucede. As drogas trocam de mãos enquanto nos preparamos para entrar. Todos queremos devenir fous e se distrair. Decidimos entrar e passo a sentir as guitarras se misturarem entre acordes e solos. A vocalista desabafa e me encanta, alternando harmônicos tons vocais e a cadência fônica do rap. O baixo dá o compasso e todos se balançam em conjunto. Sou parte disso e muito mais que eu não quero lembrar. Onde estou é o que sou agora. Começo a dançar para espantar os fantasmas que me acompanham e a energia vai se descarregando rumo à terra. Dois amigos começam a se beijar. Me excito, ¡preciso encontrar alguém para expulsar esse abraço gelado e esquentar esse corpo!

A música deixa de fazer sentido e canso. Chamo um amigo e uma amiga para o fumódromo. Só lá é possível sentar ao ar fresco e ainda sentir o cheiro da festa. Estou jogando conversa fora. Ela surge, passa agindo como dona de tudo, até fermarsi e apoia confortavelmente as costas e a sola do pé na parede. Da bolsa apoiada na perna dobrada em v, puxa um cigarro, coloca-o na boca e observa atentamente todo o ambiente. Para olhando pra mim e acende o cigarro. Ela estava ao fundo, às costas do meu amigo, e a conversa que eu estava tendo com ele como que desaparece e perco totalmente o foco. Meus olhos desviam sem acreditar no que se passa. Não esperava por isso, afinal nunca espero nada. Mas está acontecendo. Um silêncio assoluto me assola. A timidez e a auto-estima se confundem e finjo não estar acontecendo nada. Paralisada, onde mais posso estar além de dentro de mim mesma?

A música externa anima meus amigos, que me tiram do transe e me puxam de novo para a pista. A batida está mais animada e meu amigo se entrega totalmente às vibrações melódicas e dissonantes. Eu e minha amiga resolvemos segui-lo e dançamos juntas, sexys e provocativas. O quadril balança e minha mão na cintura dela diz sobre o que sou capaz. Ninguém se importa e justamente por isso nos sentimos a l'aise para continuar. De repente, ela emerge da multidão com mais duas amigas. Se aproximam até que dois grupos que nunca se viram se misturam. Agora ela está ao meu lado e minha amiga vai se afastando, motivada pelos sinais que bombardeiam o ambiente, enquanto eu prefiro só fechar os olhos e aproveitar. De um momento para outro, dançar deixa de ser apenas a busca da liberdade e passa a ter um gosto diferente. Não quero mais apenas me impressionar, quero arrasar e seduzir outres. Aos poucos ela vai se aproximando de mim, minha barriga não para a ginga e o quadril segue a rodar. A minha mão para cima como que chama por algo que eu não sei o quê. Só quero sentir algo nesse mundo sem razão.

A separação entre música externa e meu estado interno - que vinha desvanecendo com a dança - se dissolve definitivamente quando meu corpo e o dela se unem e se completam. Suddenly, meu passo e o dela são o mesmo. Troca a canção e a vocalista traz uma letra sobre desejo e tesão. Não tenho mais como resistir e me deixo ser beijada. Vou me deixando dominar pelo inconsciente e o ritmo é a gente quem compõe. Os guitarristas arranham as cordas, bem como eu as costas dela. A cantora se esgoela e ela no meu ouvido não para de gemer. Sua boca se aproxima da minha nuca e me morde como o tapping no baixo e de súbito me arrepio como os pratos da bateria. Acabam-se as barreiras, sou serva das vontades. Os sentidos só sentem, sem controle algum, e estou onde queria estar. Nossas barrigas coladas, os rostos de frente e meu olhar convidativo, minhas pernas flexionadas e entrelaçadas com as dela que se balançam ao sabor da bateria que não para.

As músicas se emendam sem fadeback e o tempo é como um fluido escorregando pelos nossos corpos. Essa interação intensa vai se mantendo, ignorando que as pessoas estão indo embora do ambiente. A proximidade das bocas, das coxas, das mãos à pele se mantém. A banda anuncia a denière danse. Aos poucos nos recompomos e nos reconectamos com o ambiente. Nada dura pra sempre, não é mesmo? Seria mais um evento furtivo numa vida sem sentido (todas são) mas decidimos trocar contato. Pista fechando, preciso pagar. Nos despedimos com um beijo que dizia voglio di più. Procuro por meus amigos, não os encontro. Nos divertimos hoje pra esquecer que depois de dormir nada lá fora vai ser melhor.

Devenier fou, merci saez. Ed Sheeran e as crônicas de jeune et con. Pitadas de Fall Out Boy e Kyo. Lembranças de Thoreau e Pearl Jam.

Eu perdi a primeira versão do conto, que tinha um enlace muito melhor e estava mais poético. E aviso, vai ter parte 2.

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Novembro

Setembro acabou há um tempo
Eu não acabo nunca
Não me acabo 
Porque me completo
Com o amor que vem de mim
Aditivado com o teu

Porque o amor é infinito
Somar dois amores 
É ter um grande amor

Encontramos essa semente
Regamos com cuidado e com carinho
Hoje é uma imensa árvore
Que oferece oxigênio pros nossos queridos

Nossas flores espalharam pólen
Pela serra, pelo rio, pelo porto
Quem conhece se apaixona
Contagiado pela sensação permanente

É uma sinergia romântica
Sexy, excitante
Com compaixão e carinho

E já são quase 5 anos
Nessa história de amor
Que eu nunca tinha conhecido

Quem sabe como vai ser o futuro?
Resultado apenas do nosso presente
O amor que te dedico
É o laço que ofereço

"Juntos no bom e no ruim"
(Melhor no bom do que no ruim,
mas no ruim também, com mãos dadas)
É o nosso felizes para sempre
E que esse amor sempre nos traga a recordação de felicidade

sábado, 26 de outubro de 2019

Intratexto

Não nós apeguemos às palavras, às formas. Este texto podia não ter pontuação. Estar escrito em inglês, italiano. Quiçá coreano ou em mandarim. O texto é o espaço que conecta duas pessoas. O texto pode ser perene, mas muda seu sentido como um rio muda seu percurso. Às vezes, o rio se junta com outros rios e concentra uma enorme quantidade de água doce, peixes, algas, moluscos, entre outros. Às vezes, o rio vira córrego, seca. Às vezes, o Rio é desviado à força, por castores ou humanos. O rio evapora, nutre e se mistura. O rio é este texto.















Não nós apeguemos à forma. A água é como um texto. Percorre o caminho dos tempos. Dura milésimos de segundos a milhares de anos. O texto nutre, é repassado e quando as pessoas sentem que é bom passar ele à frente, ele segue percorrendo seu caminho. Às vezes, evapora, se perde ou é perdido. O texto pode se conectar com outros pensamentos e mover montanhas de pessoas. Até desaguar, enfim.















Repito, não nos consumemos pelas formas. Sou o banqueiro anarquista e o alienista. Não às formas. Até as formas estarem conosco novamente. Aí, sim às formas.

"Se duas pessoas vem em direções opostas de uma estrada com um pão cada uma, e ao se cruzarem trocarem os pães, cada uma irá embora com um pão. Se duas pessoas vem em direções opostas de uma estrada com uma ideia cada e ao se cruzarem, trocarem as ideias, cada uma irá embora com duas idéias." Provérbio chinês

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Dedos

O tempo escorre por entre os meus dedos
Entre os meus dedos espaça o vento
Carregando o tempo por outros ventos

O tempo foge através de cada passo
O passo se apressa atrás do tempo
Deixando mais tempo para trás

A areia passa pelos dedos ao caminhar
Eu passo tempo com areia no calcanhar
O vento leva a areia através dos tempos

Eu fujo tentando ficar no mesmo lugar
Acaba o tempo, hora de zarpar
Por onde passo, o vento carrega meu tempo

As velas a me carregar
Me empurram pra longe do porto
Os ventos me empurram pra outros tempos

Os medos são levados pelo vento
Que traz outros tempos e outros medos
Eu lambuzo os dedos em outros tempos

O tempo escorre por entre os meus dedos
A navegação precisa, a vida imprecisa
Eu lambo os dedos, deixo o tempo me entranhar

O medo escorre por entre os meus dedos
Meus próprios ventos
Que me carregam através dos tempos

Obrigada, Pitty, por me mostrar seus medos.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Lobo do homem

Não precisamos mais da guerra
Já contamos com exércitos permanentes
Tomando conta de braços e mentes
Colônias são espólios de gente e terra
Controlando o mundo todo

Com uma mão, alimentamos o lobo
Que quer nos devorar
Cães de guarda a nos subjugar
Protegendo o capitalista
Que vem nos esmagar

¡O petróleo é o genocídio mundial!
¡O petróleo é o genocídio mundial!
O petróleo é a locomotiva do capital
Que vem nos atropelar

Com a outra mão, abrimos o caminho
Em busca da nossa liberdade
Damos a mão ao próximo
Unidos revelamos a verdade
Apenas nós produzimos a realidade
Que eles querem controlar

O anarquismo é a nova ordem mundial
O anarquismo é a nova ordem mundial
Ninguém vai nos reprimir
Quando pararmos as fábricas de destruição
¡Permanentemente!
¡Permanentemente!

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Pela porta

Abriram a porta. Eu passei sem esperar nada. Era uma porta simples que se abria de dentro de mim para o mundo. Precisava pegar o elevador e tocar a vida. O trabalho me aguardava.

Já tinha feito isso tantos dias... Nuns, chorava e saia feliz. Noutros, ria, sabendo que menti pra mim mesma o tempo todo. Hoje não, muitas verdades saíram cortando. As verdades buscam minha boca como um fluido cheio de fel e vontade, mesma sensação do intenso refluxo que me acorda de noite. Ao saírem, a mente se sente feliz ao repelir estes elementos tóxicos de que vai se alimentar inconscientemente mais vezes.

¡Saí pela porta, sim! Sem esperar por nada nem por ninguém. Na porta do elevador tinha alguém. Esperando. Buscava descer. Minha primeira sensação foi de que não descesse. Ficasse lá em cima, onde eu também estava. Devia lhe dar um motivo pra ficar. Minha cabeça pensava em vários, mas todos centrados em mim, na minha vontade. Meu desejo é que ficasse, se não ali comigo, pelo menos com meu telefone, talvez um dia ligasse pra mim, recebesse uma mensagem. Seria feliz, pelo menos no momento do contato. Seria um eterno aguardo.

Todo esse imaginário se desenvolvia enquanto o elevador chegava. Me disse boa tarde. Ou fui eu quem disse primeiro. "¡Boa tarde!" e desviei o olhar. ¿No que estaria pensando? Afinal, ¿no que eu estava pensando? Tenho laços de seda com outra pessoa. Tenho amarras de sisal feitas por mim mesma para restringir meus movimentos. Só que não as estava sentindo, só lembrei que existiam.

Mirava discretamente todos os detalhes que me emocionaram. Ela era mais alta do que eu. Um pescoço comprido exibia uma gargantilha preta enquanto os cabelos ondulados se mexiam como véus ao seu entorno. Um olhar macio centralizava o carinho da face de contorno oval. Aquele nariz podia causar arrepios quando estivesse na nuca alheia. A boca era vibrante, colorida e quieta. O cabelo escondia as orelhas que os brincos denunciavam a existência. O blusão era quase colant, comprido até a cintura, uma malha de cor próxima da que sua pele carregava, uma sensação nude, com alguns detalhes pretos. Nada era excessivo. Uma calça jeans pro dia-a-dia e um tênis simples. Era só mais um dia, com tarefas pra fazer, elevadores pra pegar.

Tudo isso enquanto entrávamos no elevador. O silêncio me agoniava, precisava dizer algo, qualquer coisa. Não havia nada a ser dito. Me convenci de que isso era suficiente. Ela estava ali, demonstrando que existia dentro de mim que não estava amarrado. Eu estava ali, apenas sentindo. Pensava como se sentisse. E o elevador descia. Nós duas ali, no elevador, descendo, com a companhia do silêncio, paredes frias de aço escovado, sem espelho. ¡Sem espelho! Porque não queriam que houvesse reflexão naquele espaço. Sem reflexão, sentia. A porta se abriu sem que ninguém pedisse. Eu saí pela porta sabendo que o instante acabara. Não queria ser inoportuna, era só mais um dia na vida, com tarefas pra fazer, elevadores pra pegar. O trabalho me aguardava.

Três minutos em uma sensação que não sentia há anos. Três minutos e tudo revirado, pra lá e pra cá, sem amarras. Os laços se mantém vivos porque me mantenho viva. Viva e sentindo e me abrindo. As escaras e rugas internas são o resultado da luta para quebrar a casca do ovo. A porta e a casca e a sensação de passar pela porta e quebrar a casca, mesmo que só um pedacinho, e ver a luz. A sensação de ter sentido, me sentido, sem amarras, por três minutos. Vou lembrar disso até furar a casca e sair. Obrigada, moça, por ter buscado o elevador ao mesmo tempo que eu.

sábado, 29 de junho de 2019

Preciso de um tempo

As coisas só são quando são. Só podem existir em um momento no tempo. E por isso, só existem fotos. A vida é um filme de rolo. Uma passagem de fotos em sequência. E só existe uma sequência. As outras sequências, ignoramos.

As coisas necessitam ser no tempo. E por isso, só são precisas no tempo. As coisas em mais de um tempo são como um borrão, quando se tira uma foto de algo em movimento.

Quando pensamos em pessoas, pensamos num ente, que se desenvolve, mas é sempre o mesmo ente. É o mesmo ente porque necessariamente carrega a própria história, sua sequência. Mas isto é a única coisa que o ente carrega entre dois tempos.

Por isso, quando olhamos pra uma pessoa e dizemos: ¡nossa, quanto tempo! Não estamos falando pra pessoa que já conhecíamos, mas pra pessoa que agora está. Quando escutamos sobre uma pessoa histórica, temos de entender quando ela é. Afinal, como Arnaldo Antunes ensina em sua música:
"todo mundo teve infância
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também você e eu"

Se você pensa que sabe com quem está falando porque conhece seu passado, não percebe o quanto pode ter mudado. E você também.

domingo, 2 de junho de 2019

Desordem

Tu acredita que existe alguma ordem ou sentido que governa a existência e o devir das coisas, ou que há simplesmente uma deriva, o acaso e o caos que explicam os acontecimentos mais naturais?

E se as coisas apenas existirem? Se não houver qualquer sentido para tudo existir? Apenas aconteceu. O que aconteceu e como aconteceu e é o limite do nosso conhecimento. Afinal, qual o limite da razão de um cérebro de 80 bilhões de células? E do conjunto de mais de 7 bilhões de cérebros de mesmo tipo? É interessante como ter 80 bilhões de células no cérebro não explica a sua natureza. O cérebro, um dos acasos mais impressionantes da natureza não apenas é o que o compõe. A natureza das partículas subatômicas não é suficiente para entender o gosto da água.

Por indução, nem sempre a soma das partes garante todas as propriedades do todo. O todo pode ser algo que excede o sentido do que o compõe. Assim vão se abrindo os fractais do caos que é a natureza.

O mundo não é racional. Não sou descartiana. Não duvido dos sentidos, não concluo que o ser perfeito existe. Imaginar a perfeição e o ser perfeito só demostra o limite da nossa razão, que supõe conceber a perfeição. Sou uma intelectual. Uma cética. Sou atéia. Mas não é possível ser cética o tempo todo.

Só que este lado da linha é vazio. Vazio de sentidos e razões. É como se tivéssemos que criar o sentido a todo o momento, e isso é pesado. É dolorido. Cansa. A sociedade cria os sentidos para manter a coesão, e liberta o pensamento para outras buscas. As pessoas comungam razões e isso é o que garante a coesão das tribos. Não ver sentido é não conseguir criar laços. É ver os laços e não se sentir parte deles. Negar o motivo pode gerar exclusão social. As pessoas que negam os princípios que as sociedades criam são marginalizadas.

Disso, a única coisa que pode salvar é relação da minha consicência com meus sentidos. Preciso mais do que acreditar no que me dizem os sentidos. Preciso senti-los. Preciso deixar a mente sentir. Porque o mundo não é racional. E a mim, na arte, o que não é racional, por vezes, me encanta. O humor que me emociona é o absurdo. É ácido. O lugar comum me cansa. Talvez haja algo de positivo em não fixar os laços. Mesmo com todas estas condições, com frequência encontro pessoas com quem faço laços. Mais do que isso, com quem tenho interesse em fazer laços. Pessoas com quem eu mantenho meus laços.

Preciso de arte para viver. O sentido que podemos criar para nossas vidas é a arte, pois a arte é sentir.


Disclaimer: Esse é apenas um esboço incompleto e desordenado. Como os limites da razão humana.

sábado, 9 de março de 2019

É fogo, amigo

Cabeça abaixada em busca de solução
Apenas quando os tiros vêm
A violência é o domínio da força
A força não anda de trem
Cabeça ao alto e armas na mão
As pedras não param quem
Não tem nada a perder

Temos apenas o dia de hoje
Para mudar o dia de amanhã
Temos apenas o dia de hoje
Para mudar como vivemos
E apenas no dia de hoje
A revolução vale a pena

Vivo sem saber até quando
Ficarei viva de joelhos
Me lamentando as oportunidades perdidas
Mas a revolução não se faz sozinha
E não há pra onde correr

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Davos

Em uma terra distante
Cercada por águas sujas
Inacessível aos mortais
O monte Olimpo se erguia

O monte fora erguido para deleite dos deuses
Se reuniam periodicamente
Seus afazeres eram decidir
Executar a sangue frio
Mais dores nos humanos aflitos
Que ao pé e ao cabo,
Lhes ofereciam infinitas oferendas

Vez em quando, semi-deuses
Como que pra provar que tinham direito
Aos pequenos poderes concedidos
Depois de conseguirem subir a humanamente inacessível montanha
Voltavam para a terra e para os infernos
Com 12 missões incríveis

Algumas tarefas eram inglórias
Tinham de descabeçar a previdência
Renegar o direito a renda
Financiar a guerra
Administrar a venda
Do pouco que os humanos ainda tinham

Os deuses querem ser donos dos destinos
Os deuses querem o poder do destruidor
Os videntes diziam apenas as verdades inventadas
E os oráculos ficavam cada vez mais poluídos com as constantes mentiras

Quando Sócrates se rebelou e renegou o poder dos deuses
Denununciou o poder do Olimpo
Foi morto e sacrificado
Através da histeria coletiva
Que os deuses incitaram nos humanos

E 2400 anos depois, ninguém mais conhece os deuses
Mas todos lembram de Sócrates
Os deuses foram mortos
Sócrates eternizado

No momento que o Olimpo domina a população
Os humanos têm de lembrar
Que apenas a eles, lhes foi dado o poder de decidir os destinos
E que apenas eles podem escolher pra quem entregar os destinos

Cortem-lhe a cabeça
Ponham uma cabeça de dinossauro
No lugar

sábado, 29 de dezembro de 2018

Círculos

Existem certos círculos que delimitam a realidade social. Os campos discutem, mas a ascensão da internet permite que outsiders tenham legitimidade pelo poder de influência. Essa é a própria discussão da democracia na política: será que apenas porque você convenceu mais pessoas a te escolher - depois de ser permitido pelas elites políticas -, você é de fato capaz e ético para liderar os interesses do conjunto de milhões de pessoas, os recursos de milhões de hectares de terra, os direitos e deveres?

A democracia não é um pacto que permite suicídio coletivo. Este blog sempre foi um espaço para a poesia, por que vejo muita beleza na arte da palavra, principal da palavra escrita. Mas os textos são apenas uma organização de símbolos que carregam significados sociais que são apropriados pelos indivíduos gerando sensações e sentidos internos. Assim, a própria existência destes símbolos organizados é a necessidade de existência do significado. Sem significado, eles não existem.

As pichações são indecifráveis pra quem pensa com a estética média e burguesa, mas as gangues as percebem de forma muito clara. Cada pichação é uma tentativa de deixar uma mensagem. Muitas vezes são: eu consegui chegar aqui.

Estes poemas giram em torno dos dilemas que eu sinto e vão significar apenas para os que sentem coisas parecidas. Muitas vezes passam pela negação de valores sociais hegemônicos, mas a estética é muito próxima da utilizada pelos mesmos valores. Isso demonstra de onde vim: uma estética burguesa e média. Por isso, é difícil que deixem de ser medíocres. Se um dia forem lugar comum para a sociedade é por que esta emissora foi colocada em posições de poder. (¡Oxalá não sejam comparados com os terríveis marimbondos de fogo!)

E girando em círculos, há mais de década estes escritos marcam e demarcam quem eu fui no tempo. Minhas consistências e metamorfoses. Nas entrelinhas, existe uma autobiografia poética.

Outsiders do mundo, destruí-vos. São apenas emanações dos erros humanos que foram filtrados pela ciência. Seu sucesso é mero acaso probabilístico.

A face do destruidor.

domingo, 14 de outubro de 2018

Onde

Pra onde ir?
Só há um lugar no mundo
O mundo
Fugir do mundo é fugir da existência humana
Cobrimos cada canto do planeta com nossa existência
Somos em toda a parte
Nunca seremos de todo

Todos os lugares são iguais
Alguns caixotes de cimento diferente de outros
Mas caixotes para macacos morarem dentro
Carregam água limpa, alimentos,
energias e outros fluidos

Eu sou uma caçadora
Em um lugar escondido
Uma caçadora em busca da caça

Eu sou a caça
Num lugar proibido
Uma caça em busca da caçadora

O duelo final é um só
Um dueto
Em todos os lugares do mundo
Do meu mundo
Da minha terra
Do meu ventre
Do meu ser
Que nutre a caça
E a caçadora que busca
Não se tornar presa

Presa dentro um corpo moribundo
De um planeta fúnebre
Em que o ódio instrumentaliza a violência
O medo rega a paranóia
De um corvo depenando uma coruja

Não existe lugar no mundo
Para onde se possa ir
Mais longe do que se está
Em si

terça-feira, 8 de maio de 2018

Uma ode à loucura

A loucura é boa
A loucura enlouquece e se torna sã
A vida gira, isso é loucura
Milhares de fios entrelaçados sem sentido algum
Isso é loucura

A sociedade alternativa? Loucura
A lei? Mais ainda
Estou louca é viver
Viva enlouqueço os outros

As formas desfiguradas tomam conta das ruas
As linhas retas são uma ilusão
O clássico é um mito

Loucura de blusão no sol
Loucura pipocando
Loucura pela pela rua

A morte é o fim da loucura
O fim da loucura é morte
Loucura por dentro
Loucura por fora
Loucura em flautas

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Pop

Bolhas de sabão pelo ar
Crianças correm em minha volta
O sol ofusca minha visão
O vento alisa meu rosto

É tarde, tudo fora de compasso
Anoitece, o ritmo cresce
Pede o balanço e o passito
Carinho e charme a me esquentar

O sabor é doce
O resultado é o ritmo
O ritmo é me soltar

Você me segura no ar
Meu coração pára
POP, sinto estourar


Boas festas.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Rio

Mais um Silva me deu oi hoje na rua. Talvez tivesse comido. Não penso que dormiu, não parecia relaxado, era visível que ainda vivia o mesmo dia de ontem. O sinal fechou, meu olhar também. Prédios gigantes se amontoavam vazios, sumindo sem luz na noite escura. O morro se acendia como uma vela de oração.

Cabeças baixas não me percebiam enquanto dividíamos a mesma calçada. O vendedor na esquina me cumprimenta e me pergunta ser levarei o pão. Hoje não, não mesmo. Trabalho por honestidade, mas o salário não cai pela injusta falta dela. Mais de 500 anos pro Brasil descobrir Cabral e tudo o que nos levou.

Volto em Janeiro. O Rio não será o mesmo, conquanto eu também não o seja. Nas suas águas, abriu-se o mar vermelho e os escravos tentaram fugir quando já era tarde demais. Restou-lhes aguardar a terra prometida: uma cidade maravilhosa.

Será que o Maracanã durará mais do que o Coliseu? Nero sempre me deixa em dúvida. Um pedaço de mim aqui fica.

Uma pequena homenagem a Bob Rum.

sábado, 25 de março de 2017

Essencialmente

Existe alguma essência no que somos? Se existe, ela é material, ligada a nossos genes, nossa expressão deles, nas nossas características fenotípicas? Existe alguma essência em nosso psicológico, algo que nos constitua em nossas atitudes, nossas reações, nossas vontades, nosso imaginário, nosso raciocínio? Existe alguma essência por crescermos em algum lugar, termos certos tipos de pais, irmos a certos colégios e fazermos certos tipos de amigos e inimigos? Existe alguma essência na vida, que a separe do que não tem vida? Quer dizer, um corpo morto é tão inanimado quanto uma pedra ou as ondas do mar.

E se a essência não for importante, o que te constitui em algo individual, em algo único? Se não somos algo único, não temos qualquer importância. Ser algo único é ser carregado de significado. O significado pode ser interno, mas também pode ser socialmente atribuído. Uma relação simbiótica se constrói para o exercício do nosso significado. Nosso significado não existe se não pode ser exercido, como um corpo morto.

O sentido da vida é a busca do significado incessantemente, posto que quando cessa, cessa a vida também. Nossa essência não é imbuída de qualquer significado. Nossa gênese, nossa temporalidade, a efemeridade de nossos atos são parte do nosso veículo: o corpo. O corpo é o meio pelo qual se constitui a consciência e através dela o significado. Quando a consciência está confusa, é difícil ver o significado. Quando ela está ausente, não somos nem mesmo responsáveis pelos nossos atos. A busca da religião é a busca de um propósito. A busca de grupos identitários é a busca de um significado social.

Essencialmente, nascemos mortos e ao crescer, criamos a nossa vida. A senciência não é consciência. A consciência é capaz de distinguir e separar a nossa existência de outras. A consciência percebe a morte. A consciência apercebe a morte. A morte é de onde viemos e para onde vamos. A senciência é apenas um instrumento para verificar nossas vontades, as necessidades de um organismo vivo. É fundamental para a existência da consciência, sem sê-la de fato.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Campos de Morango

A consciência é o que define a nossa essência humana. É ir além do mundo ao redor ou do outro. É perceber a existência inexorável de ser. Não é possível não ser. Somos consciência, que está atrelada diretamente a um órgão, o cérebro.

Nossa existência está confinada ao nosso corpo. No entanto, a falência de diversos orgãos não caracteriza o fim humano. A falta de movimento nos membros, o descompasso dos rins, a cegueira, o coração descompassado. Tudo isso não impede a tua existência humana. O que impede é a falta de funcionamento do cérebro pra permitir uma consciência apurada.

Um cérebro que não esteja funcional impede a normalidade de nossa essência. Depressão, esquizofrenia, mania, ansiedade são doenças que produzem um sofrimento contínuo e de baixíssima intervenção.

A nossa existência efêmera sempre teve sentença de morte. Qual a diferença entre escolher a hora de morrer e morrer sem escolher? Nenhuma. Não existe nada depois da morte. Se todos estamos mortos, porque continuar esta batalha para continuar vivos?

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Vem, vamos embora

"Vem, vambora
Entre por esta porta agora
E diga que me adora
Você tem meia-hora
Pra mudar a minha vida"

Eu sinto a tua falta
A tua falta em mim
O teu carinho
O teu calor

Eu sinto a tua falta
A falta de tu entrar pela porta dos meus olhos
E dizer:
VAMOS EMBORA

A tua atitude, o teu carisma
O teu jeito de me cativar
De me escolher

É clichê
Mas eu sinto teu cheiro no travesseiro
E me abraço nele

Tu tinha um jeito especial de me fazer sentir viva
E eu te escolhi por isso
Eu quero te ver de novo
Eu quero aquela mágica me enebriando

Vamos recomeçar?
Não quero perder meu tempo
Muito menos o teu
Eu quero sair
Não quero mais ficar aqui

Ficar em mim é insuportável
Eu preciso da tua atenção

O pranto me deixa a cara formingando
Essa sensação horrível
De o coração sair pela boca
E a cabeça fica zunindo
As mãos batem com força no peito
Eu não me sinto em mim

A sensação de não estar aqui é muito forte
A respiração ofegante é a única coisa que me prende
No aqui e no agora
Eu me sinto
Falta me sentir viva

Fim.

Viva Adriana Calcanhoto.

domingo, 4 de setembro de 2016

Buffet livre

É um pedaço em fogo
É politica que arde
É grito e sufoco
É pouco

Nada vai acontecer
Nada
Talvez mudem as estações
O salário continua sumindo
O escravo sofrendo

Vários mundos em um só
Vem se desfazendo
Até virar pó

Impedimento é um prato que se come frio
E essa terra esfriou há bastante tempo

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Não me deixe só

Não me deixe apenas comigo mesma
Eu sou minha pior inimiga
Me dá frio na barriga
Ficar só à mesa

Eu caminho sozinha no escuro
Não é possível ver nada
Só sinto a mim, no vácuo
Vazia e com a respiração ofegante

Penso que me movo
Mas estou no mesmo lugar
Perdida, cansada
Me canso de vagar

Meu pedido é simples
Não me deixe só
Eu sou um pesadelo
Você me leva pra um lugar melhor

Não nos deixe só
O mundo será sempre pior
Sem a tua voz
Teu odor
Teu carinho
Nosso amor

A solidão existe
Na morte, no espaço
Na minha cabeça e no meu abraço
A solidão
E só

terça-feira, 3 de maio de 2016

Sem espaço

Um mundo pequeno, infinitamente pequeno, tomou conta de mim. Um ponto no espaço revela exatamente que eu não tenho espaço. O ponto se repete, se ilumina e se apaga todas as vezes que algum dos seres nascem e morrem. O ponto não é. E não somos nós, mais do que um ponto. Um ponto em movimento no espaço imenso, nos despedaçando em uma quantidade ínfima de tempo.

Sentir é uma ilusão. Nada pode completar algo tão pequeno. Nada pode ser onde nada pode estar. Hoje, um ponto, uma luz. Amanhã, sem ponto, sem luz.

E na imensidão do espaço-tempo, os pontos se unem e se separam numa dança de um tempo inobservável. Tantos pontos quanto se possa imaginar. A consciência acessa o ponto, o ponto deixa de ser objetivo e passa a ser subjetivo. No entanto, um ponto observado, é uma realidade dentre as muitas que ele pode ou não ser.

O ponto se esvai no caos da cidade, na babel da internet. O ponto que eu sou, o ponto sou eu. O ponto, na ponta. O ponto apontando. O ponto sem eu. O não-ponto.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Tecnologia

Pedras, lascas, varetas de fogo
As pessoas polidas sempre assassinas
Plantações, currais, aquedutos
Ferro, bronze e guerras bonitas

Sanguinários, os olhos vermelhos enchem os campos
De batalha, se fundem os corações e os leões
Da morte, vivem os moribundos e os anjos
Do forte, choram os pobres e os vilões

Os tiros, as bombas, o calor dos infernos
A fome, de perto, os urubus, de longe
Despedaçam minha consciência a cada clique

Para o sofrimento dos outros
Na guerra é a gente que cria,
Por necessidade, a tecnologia