sábado, 29 de fevereiro de 2020

Só mais um sábado

Era só mais um sábado, sol entre nuvens, vento fraco, poucos ônibus na rua. Era mais um sábado, um dia que se repete a cada sete dias, e eu, junto com ele, me repetia a cada sete dias. Acordar às oito e meia da manhã e ficar me enrolando; nove horas com um café passado; dez horas e a leitura do jornal - isso não se repete da mesma forma, ora papel, ora tela; um pouco de redes sociais até cansar; onze e meia começa o preparo das refeições do fim de semana. Solidão, mais um dia que se repete.

Começo a almoçar e sinto que o arroz ficou muito salgado. Gelo mais água, tomo um suco de limão muito ácido. A garganta ferve, nenhum áudio sai. O silêncio é rei, mais um dia se repete. Existe um pouco de aflição na calma. O nada a fazer é a falta de realizar o querer. O desejo e a vontade, imersas no tudo que me rodeia. Livros que ainda não li, indicações musicais esperando na playlist. Esse é o querer do meu eu ideal, só que eu continuo aqui, querendo outra coisa.

Resolvo descer e dar uma volta no quarteirão. A temperatura amena como a minha vida, o balanço das folhas douradas das árvores no chão enquanto se esfarelam nos ciclos da vida. Um cachorro começa a latir. Uma mariposa levanta da parede e se despede num balançar de asas. Meus passos são curtos e lentos. Todas as vias são caminhos suficientes para quem não sabe para onde ir.

Um vizinho que só conheço de rosto está regando a grama do jardim. Nos cumprimentamos, sorrisos abertos para aqueles a quem não conhecemos, mas reconhecemos. Se o sorriso é espaço público, o olhar é espaço privado. Ninguém desvia a boca, legível até para os menos treinados. No entanto, com frequência se desvia o olhar.

O arrepio, a vontade, a tarde ardia. Era uma espera. Algumas coisas são questão de tempo. O silêncio é o espaço da fala. A solidão é o campo da estima. Eu só queria mudar, mais um dia que se repete. Meu corpo é a parca expressão de mim. Sou muito muito mais do que meus ossos. O que penso, o que escrevo, o que faço, com quem me relaciono, quem influencio. Se uma parte da minha carne já não está em mim, outra por ali já preenche. O vazio e as bordas são muito mais adequadas do que formas pontiagudas. Essa sou eu, em solidão. As pessoas que eu sinto e como me sinto nelas são situações únicas, quando são.

A solidão não é um espaço nulo, nem um colapso. É só a falta de conexão que perdura em cada interação. Não é falta de fogo, são apenas convenções sociais. Cada corpo é coagido a ocupar apenas certas posições, mas eu não aceito isso. A solidão não é uma escolha, mas um acontecimento social. Os afetos vêm de laços sanguíneos, boas amizades, alguns conhecidos, e só.

Um sábado se repete enquanto eu me repito. O sábado se repete porque a sociedade se repete. Somos pequenas alterações das gerações anteriores, e isso já faz muito tempo. No portão, a chave é inserida e destrava a entrada. Sento no sofá e vejo o tempo passar com algumas músicas na minha cabeça. Hoje a janta vai ser com vinho - a água gelada vai ficar para amanhã cedo -, beringelas à milanesa fritas sem óleo, arroz. Assistir alguma série para conhecer algumas histórias falsas novas, acompanhada de algumas azeitonas. Logo, logo, não será mais sábado.

Kim Ki-young e Pitty me acompanhando nos escritos de hoje.