quinta-feira, 25 de junho de 2020

Chagas

Nas feridas abertas, escorre sangue escuro
Espera as plaquetas taparem o dano
Para voltar lá e mexer nela
O estrago foi te ter tão perto

Os pontos, intervenção externa para fechá-la
Não interrompem a dor de ter sido aberta
Você faz questão de mostrar que ter feito isso não lhe incomoda
Eu faço questão de não me aproximar de novo

Quando sair da minha gaiola
Quero voar pra bem longe
Deixar sarar e cair casquinha

Me deixar ser dividida em três partes
Antes, durante e depois de você
Então, você poderá ver que já era tarde

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Ponto-e-vírgula

Pulsar a solidão é um caminho de construção. Como me ver sem ver o outro? Posso me comparar comigo no espelho? Assim como um radar, jogo pulsos para ver se encontro algo. Aguardo o pulso voltar. E assim me transmito em ondas sem que ninguém perceba. Pulsar é jogar pra fora e se retrair. É tentar desaparecer deixando rastros. E voltar a ser um ponto, sem forma, vaga, solta e inexpressiva e fingir a vida. Pulsar é ver o desejo e rir dele. É tentar ver algo onde não há. O vazio é o que me acompanha. E construo o vazio em tantas formas, em tantas fôrmas imaginárias tão pequenas que só cabe ali uma coisa: o vazio. Percebo que a dualidade só existe se vejo outro. E me formo como base una apenas quando vejo o outro. Quando há outro, sou uma intersecção em Venn de dois círculos. Mas não sou o círculo ou sua união, sou apenas o vazio em sua volta. Sou o medo e a decepção. E onde devia existir interdepedência, só há vacuidade. Não existe não-dualidade porque não tem dualidade. Não posso ser nem a afirmação nem a negação do outro. Nesse momento, apenas eu e o outro, no mesmo ponto, sendo nada.

Pulso, punço, convulso. No caminhar das minhas veias, vazio. O vazio que percorre meu coração, meus pulmões, volta ao coração, meus rins, intestino e todas as tripas que me acompanham. Sou esse esqueleto de ossos porosos, onde tem mais vazio do que cálcio, que não é eu. Eu não sou meu carbono, meu cálcio, meu ferro, e o resto da tabela periódica impregnados em volta de mim. Não sou uma alma, uma essência, uma eternidade. Nem sou o espaço que ocupo, nem o ar que inspiro e expiro. Sou um pulso no vazio. Punço minhas veias transparentes de inexistência, e encontro nada. No coração, que pulsa erraticamente à procura de algo para bombear, só existe o vazio nutritivo. E ao se desperar no pulso que dura mais de 12 segundos, convulsiono.

Construo a pesquisa do que há fora de mim. Necessito de valores para entender o mundo que pensa existir. O mundo pensa e logo existe. Em sequência ao pulso de pensamento, a mente finge que é dor, a dor que deveras sente. E o pulso ainda pulsa. O mundo não é acessível aos sentido que se espalham pelos meus sentidos e retornam distorcidos pela possível existência de outro. O mundo só é qualitativo quando é quantitativo. E tento medir tudo isso que mandei pra fora e recebi. Sinto que penso, logo finjo e desmonto. Aqui não tem mais nada pra ver. Afirmar a existência e ter medo de perdê-la. De repente, a humanidade está à beira do precipício e treme de medo. O que há para temer em algo inerte? Por que o desespero da morte emerge? Ela só se torna eminente porque o perigo não é o abismo. O perigo é a humanidade em si, olhando como narciso pra si mesma ao fundo do poço e se apaixonando. O perigo de enamorar-se de si mesmo é a decepção. As flores estão por todos os lados e a existência não é um pedaço de papel afirmando que você nasceu. E nasceu categorizado, delineado, carimbado, desfigurado. Quando a gente nasce, ganha um nome, não uma foto. E quem a gente constrói no caminho é o pulso de solidão que acompanha cada um de nós. A dualidade começa a se formar quando notamos nós mesmos construindo a nós mesmos. E na dualidade em que vejo outro em mim mesma, o vazio perde a forma que descrevi tão precisamente.

A gente nasce num pedaço de papel e tem de morrer num pedaço de papel. Somos a sequência que acompanha dois papéis informando ao mundo a nossa própria existência. Porque existir não é meramente conhecer o vazio, o espaço, a forma. A mente tenta pulsar, e ao pulsar finge a existência que ela mesma acredita. A mente tem fé. Não percebe a poeira que é no universo. Verso que se compõe pela forma, pela força, pela vida. A morte é apenas a exatidão do que sempre fomos. À vida, somos simplesmente jogados. A vida é a pulsão que me carrega, enquanto eu faço de tudo pra ver os outros pra ver se entendo a mim mesma. Sou por comparação e sem comparação, não sou. Sou o falseamento, e logo sou o vazio. A existência é um prato que se come frio.

Tento me desconstruir e construir de novo. Derrubo tudo e as telhas que me cobrem e as paredes de tijolos que lhe sustentam não me servem mais. Construo caminhos pra me percorrer, quase como uma gincana. Uma diversão perigosa, à espreita do minotauro. Explodo a mim mesma em mil pontos e mil pontos se unem sem dimensão. Construo-me à minha imagem e semelhança. Insatisfeita, assemelho-me ao meu contrário e meu contrário é vazio. Assim, sou em parte vazia, em parte eu, procurando um mundo para construir, destruir, desconstruir, reformar, revoltar, revisar. Como um ponto, finjo uma revolução e tudo à minha volta gira. Sou a minha própria referência. O centro do meu próprio pulsar.

Nesse espaço, o tempo deforma minha existência e recebo todos os pulsos fingindo vida, só que já não são mais meus. Interagiram. E sendo meus e interagindo, passo a ser parte dos outros. O pulso ainda pulsa. Fingem que me vêem e me escondo. Será que jogam pulsos também? Construo minha própria solidão. O caminho é composto, construído, tergiversado. Tanta coisa que se estraga ao mesmo tempo, no mesmo espaço, meus pulsos à minha volta griiitam para serem resgatados. Há flores por todos os lados. Ao redor do precipício, tudo é beira. E a humanidade treme embasbacada. Todas as frases tem ponto final, como a vida. O ponto que sou. Tudo mede o que tudo sente. E sente muito por isso ter acontecido. Sou meu próprio negativo e sinto. Sinto duvidando o tempo todo. Preciso pulsar, preciso refletir, preciso sentar e ouvir. É preciso navegar, não é preciso viver. Imagine viver de pulsar?

Pulso. Doze segundos de escuridão. Talvez tenha algo lá, mas não importa. Meu destino é pulsar. Meu sucesso é justamente pulsar porque ninguém além de mim precisa isso. O espaço vazio do oceano, mira o navegante que finge que é preciso. Errou a rota mais uma vez e nem sabe onde foi parar. Poderia ser um ponto final, mas oriento. Ele é seu próprio ponto. Orientando, finjo mais existência e pulso mais. Não porque alguém precise do pulso, nem eu mesma preciso do pulso. O pulso precisa de si mesmo, pra ir e voltar, como sua própria partícula. É um radar autômato. Um radar comunicativo. Um eu que busca captar as mesmas frequências. Quem poderia ser mais interessante que o pulso se não sua própria reflexão. É seu negativo sendo a si mesmo. O fenômeno físico que descreve quem sou como ponto, em construção.

Nada continua conforme o pulso cansa. Mas o pulso ainda pulsa. Ritmo é apenas a distorção do tempo. Reflexão é distorção do espaço. E distorcida fico eu, com meu próprio pulso. O pulso me mostra minha existência. Sou o caminho que obriga ele a percorrer e voltar quando encontra nada. O pulso vem e volta pro nada. Sou um ponto e encerro com ponto final o fim. O fim que tem certificado de fim, se não, não é oficial. Esse é o pulso que os outros esperam do meu fim. Um fim categorizado, descritivo, filiado, carimbado. É impossível sermos felizes para sempre. Somos um ponto que volta a ser ponto no vazio que é um ponto, esse é nosso único sempre. Um ponto à beira do precipício, tremendo, como quem tem febre e espirra. E tosse como que pulsando aos outros o seu ponto final. O precipício é o outro.

Me isolo pra pulsar pro nada, à beira do precipício. Construo o precipício como construi a mim. Uma obra prima, nada se assemelha a mim, se não eu. E só eu posso decidir justamente o ponto final do precipício. Pulso para o abismo e nada enxergo. Ufa, nada pode me atrair até lá. Pulso para mim mesma e balanço tudo em volta da beira. Eu sou o precipício. A boca que se alimenta dos seus pulsos. Quem come é quem penetra ou quem é mastigado? O precipício sou eu. Eu sou a beira e o meio. Penetra-me e te devoro. Sou o nada de onde se veio e pra onde se volta. O nada é tudo o que se tem. Sou o nada e nada me completa. Sou o abismo em cada olho, em cada voz, em cada nudez. A alma é a janela dos olhos, uma alma que não existe. Você não é um corpo e tem uma essência. Você é essa essência que não existe, num corpo que se liquefaz, mastigado, digerido. Você pula em direção ao precipício para encontrar a si. Tenta sair do outro lado do precipício e sai como que envolto de uma película. Passa a pensar que é a película, e, pensando enganado, deixa de existir. Só o que é verdadeiro pode existir. E o que é verdadeiro pode ser falseado. E para ser falseado precisa de observação. E para ser observado, precisa do outro. E para a existência do outro, precisa de si. E precisa que o outro perceba a si. O outro percebe a si quando olha em minha direção e me constrói, enquanto eu construo o outro. A interdependência é a única forma de existência. A individualidade é uma ilusão. Tente existir no vazio e vai ver seu pulsar colapsar.

O ponto final se aproxima a cada ponto digitado. É digitado com meus dígitos, que fingem a existência em outra coisa que finjo para minha existência. O ponto final sou eu e o precipício no mesmo lugar. Enquanto isso, sou ponto-e-vírgula;