quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Aproveite o silêncio

As palavras causam mais estrago
Nessa relação contaminada
Eu fico limitada
Amoada, no aguardo
 
Te esperar é cansativo
Já não tenho mais esperança
Às vezes eu sinto só
Que devo me afastar
 
Escuta isso! É o silêncio
Será que você não consegue ouvir?
Quantas lágrimas são suficientes
Para entender que dói muito?

Amor envenenado
Intimidade bloqueada
Carinho intermitente
Cansei permanentemente
 
Depeche Mode e Soft Cell.

quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Ainda é cedo

Era uma festa caótica
A música tocava de um jeito
As pessoas dançavam de outro
Dissonâncias

Eu comprava uma bebida
Pulava, me agitava
Mas nada me colocava em sintonia

Eram pó ou tristeza
Que embalavam os presentes
Ritmo frenético
Não se respirava mais

Luto, braços, choro
Era como se uma parte de nós tivesse se ido
Um dia depois do outro realmente se vão

Eu quero um amor tranquilo
Carinhoso e cuidadoso
Que possa dançar na felicidade
Que possa abraçar na adversidade

A noite sem luar ia se encerrando
A pista ia espaçando, a música baixando
E eu dizia ainda é cedo
Eu dizia ainda é cedo
Cedo, cedo, cedo

Renato Russo vive.

segunda-feira, 12 de junho de 2023

Amor inteiro

Começa pela superfície
Entre um sorriso e um cafuné
Marina Sena cantava
Que me apaixonei
 
Fascinação, desejo, dedicação
No carinho e no cangote,
No dia-a-dia e no camarote,
Soube que me entreguei
 
Cada trauma que a gente carrega
É uma cicatriz invisível
E já te deixei pelo menos uma
Nesse coração sensível
 
É amar, amar e
Não ter medo de errar
Errar e tentar de novo
Amar devagar

Há mar, barco e águas
E a navegar, com a Mari
Juntas estamos
Tanto mar, profundo mar

A sinceridade e a abertura
São antessala da intimidade
Do quarto da cumplicidade
Que amo dividir contigo

Navegar é preciso
Amar não é preciso
E por tantas ondas que a gente passa
Te amo por inteiro

Que o caminho derradeiro
Feito dos nossos acertos e erros
Deixem para quem quiser ouvir
Que amamos, vivemos, estamos

Se o dia das namoradas é coletivo
Seja nosso carinho
(Um dia proibido),
Celebrado e exibido

Alguns amores nunca tiveram seus espaços. Ocupá-los é respeito com as que vieram antes de nós. É normalizar pras que virão após nós. Há quem saia hoje apenas pra ser feliz. Mas nós já deixamos de fazer atividades na rua por conta do ódio manifesto pela sociedade em que estamos. Se a data é comercial, nos queriam marginalizadas e subjulgadas. Separadas. Mortas. Nosso amor é resistência. Resistimos, amamos e, por isso, celebramos.

quarta-feira, 26 de abril de 2023

Cura ao concreto

Estamos congelados do lado de dentro
Gritos, desesperança e resignação
Lembram quando éramos feitos de sonhos?

Passa-se um mês, passa-se um ano
À espera de um futuro
Esquecemos que a vida se faz a cada dia

O tempo está bom
Nos acompanha o tempo
Nos acompanham o tempo e os sonhos

Se assombra a destruição
Não temamos
Por que tudo reergueremos

Do nosso ofício, do nosso braço
Do nosso suor, tudo nasce
De pé estamos, de sonho vivemos

Dedico aos meus amigos da Corsan.

sexta-feira, 10 de março de 2023

A face do destruidor

Eu sou tanta coisa ao mesmo tempo
O horror que te arrepia os pelos
O odor que te treme as narinas
O pavor que ataca teus nervos
O calor que te queima as têmporas

Ao mesmo tempo e agora
Fogo destrói tudo
Faz um círculo em minha volta
Ninguém entra, ninguém saí
Sozinha e em chamas

Queima tudo, destrói pontes
Apaga os caminhos e as memórias
Em cinzas e pedaços pelo caminho
Eu fico sem ver mais nada
Retina que não consegue ver amor

Eu tinha apenas 7 anos
E tudo dóia e eu não sabia porquê
Batia e eu tinha de fugir
Ardia e eu tentava não ver
A arma é de fogo também

Naquele dia, eu não apaguei o fogo
Apaguei a mim
Eu sou tanta coisa ao mesmo tempo
Menos eu

Eu posso destruir tudo
Porque não tenho nada
Mentira, tenho medo
O medo já não é só dos outros
Medo de mim

Medo de causar dor
Medo de não caber na caixinha
De nunca ser o suficiente

Medo e dor
Num círculo de fogo
Dentro de mim

quinta-feira, 2 de março de 2023

É preciso tempo

É preciso tempo pra dormir
É preciso tempo para descansar
É preciso tempo para acordar
É preciso tempo para se levantar

O coração bate apertado
As nuvens se mexem no céu
Para partilhar a vida boa
É preciso estar perto

Lembro dos teus carinhos
Me resigno no hipotético
Caio em mim

É preciso acalmar
É preciso amar
O tempo é preciso

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Sempre alerta

Chovia na cidade
Quando a ponte caiu
A verdade é que nunca te perdoei
Nem sei quando isso vai acontecer
A foto da violência é perene
Da minha memória nunca vai sair

Não é que quis ir embora pra me encontrar
Me fui para que não doesse mais
O amor é condicional
Tuas expectativas são a lei
E teus olhos comprimem
Causam medo, dor

PÂ-NI-CO
Qualquer movimento brusco
Qualquer tom mais áspero
Palavras-sentença
PÂ-NI-CO
Não precisa ser a mão levantada
Basta a reprovação
Símbolo maior da minha negação
 
Hoje me sinto perdida na bagunça que é viver
Os caminhos são tantos e não sei onde há felicidade
Experiências que podia ter vivido antes
Não existia porto seguro pra voltar
Disso, infelizmente, nunca vou conseguir esquecer

Não levanta a voz pra mim
Se não, não consigo te escutar
Eu ainda não consigo confiar
Como poderia confidenciar?

Ainda é tão difícil me sentir una
Sendo sola
Solitude me observa
E me espera
 
Espero que um dia possa sarar
E que tua dureza se amacie
Pra que a gente possa se abraçar

Parada obrigatória

Não consegui dizer adeus
Um furacão correu à nossa mesa
Quis apagar as memórias
E arrancar do peito um pedaço

Entendo a dor que ventos fortes carregam
Calma, tudo se transforma
Talvez um dia tu possa entender
Que também disso eu queria me proteger
 
Eu sei que não merecia isto
Nem a nossa história
Foi verdadeiro e permanece
Cada passo do caminho
 
Deliciosa trajetória
Surpresas e carinho
Distâncias, outras rotas
Calmo permanecer

Desistir não é deixar de amar
Não existe culpa expiatória
Violenta despedida
Parada obrigatória

Há cartas que nunca serão lidas.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Nuvem negra

Nuvem negra põe teus cornos
Acima da manada
Com força agita os fornos
Mugem os trovões em saraivada

O temporal se arma tenso
Vento forte na minha'lma
Uma brisa jorra alva
Ao inferno tudo o que penso

Quero sentir intensamente
A vela aberta a voar
Essa vida não me prende
Tanto ar, tanto ar

Quero ser feliz agora
Já que futuro não há
Uma dor que se demora
Não é lugar de paz

Se a ti posso amar
Deixando a pele rasgar
De mim, posso cuidar
Mesmo sem estar em primeiro lugar?

Nuvem negra vai embora
Tua presença é de matar
Chove forte no meu peito
E me deixa descansar

Destruídos, verde e amarelo,
Teus representantes pregos,
Se apagam sem elo
Enquanto me sobrecarrego

A dor de um mundo inteiro
Numa nuvem, ela veio
No meu seio passegeiro
Resolveu se dissipar

O céu rosa de fim de tarde
É o raio que me resta
O mundo é grande a beça
Desejo é a chama que arde

Me abraça devagar
E vem junto comigo
Me dá um chamego com carinho
Que já é hora de zarpar

Chet Baker.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Piano, piano

Correm velozes carros
(ao fundo, um piano)
Rasgam o seio da noite
Individualmente isolam
Afligem, subtraem, ignoram

Variam constantemente a aceleração
Varrem o chão da cidade
(um piano ao fundo)
Corpo-cápsula
Coração-bomba

Fina lata de aço
Comprime meus órgãos
Dilata artérias urbanas
Da janela, o eco
(o fundo de um piano)

Pneus no que piso
Aumentam a pressão
Cortam a pele das calçadas
Que sangram de óleo e choro
(piano, piano, piano)

Sinal vermelho
Olhos piscantes
Não existe caminho triunfante
(piano forte)
Ponto morto
 
É baixar a velocidade
(piano diminuendo)
Apreciar a paisagem
Aproveitar o caminho
O destino é o fim
 
Árvores, caminho verde
Carinho, ver-te
(pianissimo)
Mente, fala e corpo
E amor

domingo, 9 de outubro de 2022

Declaração

Bebida é água
Comida é pasto
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
(Titãs, 1987)

Eu quero amar. Numa manhã de domingo acordar do teu lado. Acordar contigo é pensar todos os dias que vale a pena estarmos juntas. Tu me ensina a sonhar. Eu aprendo a saber que não tô sozinha, e que teu cuidado vale a pena.
 
Teus braços são de luta e meu coração é teu. Que as nossas vozes juntas sejam coro, e as nossas ações sejam o caminho da mudança. Eu tenho orgulho de ti, e por isso quero que todo mundo saiba. Posso gritar na janela, na internet, na praia, pro mundo que estou contigo e te amo.
 
A gente não quer só comida e bebida. Isso é muito pouco. A gente quer diversão e arte para todes. Desejo  livre e manifesto. Cada vez menos barreiras. Felicidade por toda a parte. Bodichita para todos os seres. Te quero cada vez mais inteira, mais completa, mais capaz de vez a pessoa foda que tu és.

É sobre isso essa declaração. São tantos os âmbitos que tu me encanta. Teu beijo é um beijo político. Tua meditação é uma meditação polida. A tua arte é uma ação construtora. Teu carinho é um desejo construtor. Eu te quero cada vez mais viva, potente e amada. E estar do teu lado sempre. Te amo, cariño.

domingo, 14 de agosto de 2022

Navegar

O porto é um espaço feito de água e terra. Eu, marinheira, pelas águas a vagar, tanto mar, tanto mar. No meu navio, cada peça nova é comemorada. A renovação é sempre um avançar, é ressignificar. O passado e o presente no mesmo espaço, feito de afetividade e memória. Sou tão bem recebida no teu porto que nem dá vontade de partir. Não sou pirata ou mercante. Sou uma tripulante, o barco não é um meio, mas um fim. Todo sábado, aporto de bons ventos. Poesia e desejo. Viver e descansar. Filosofar e amar.
 
O tripulante é o mar. O mar é o tripulante. Mar calmo é viagem segura. Tripulante agitado é navio a balançar. Às vezes enjôo, às vezes me queimo do duplo sol que me ilumina. Às vezes me emociono, às vezes me somo. Teu porto é guarnição, aconchego, calor e qualidade. Meu coração ligeiro, cheio de sal, te vê pela costa, pela curva e se aproxima da tua areia. Deita e rola como se em casa estivesse. Cada concha encontrada é mais uma noite bem vivida.
 
Vem, vambora. A hora de partir é sempre saudade. Afetividade e memória. Construção e afeição. O vento leva e me afasta. Vento circular, coriólis que nos une. Se apenas o fim do mundo é triste, chorar me submerge, abraçar em ti é desafogar. Maré me embala. Maresia, teu cheiro me envolve, me devolve, me revolve. E sou feliz assim. No presente. Amar o mar é marinheirar.

Adriana Calcanhotto é uma marinheira. Eu sou mar. Maré, ah, mari...

domingo, 31 de julho de 2022

Tela Viva

A tela se compõe em tábula rasa
Uma personagem de cada vez
Em cada ato, uma casa
Que é, do nosso corpo, a tez

Me toca, com pincel e seda
Sinto o caminhar e a vontade
Tinta, veludo e cena
Todo pedaço teu, saudade

Viva! A tela e o domingo
Deitei contigo
Viajei no teu sorriso

Engole meu carinho
Que a nossa água
De copo cheio, é língua

Conversa e canta sem pressa
Meu olhar não quer te machucar
Apenas te ler à beça

Ah, Mari...
Marina Sena embalando.

domingo, 26 de junho de 2022

Violada

Sou terra fértil
Por muitos vigiada
Com a enxada me batem
Querem plantar,
Colher frutos e me abandonar

Quem lhes disse
Que lhes quero ser útil?
Meu desejo é a vida
Que é espontânea e livre
Vagando no meu ser

Ferida, marcada
Uma semente em mim
Inseminam de dor
Seu desejo me quer quieta,
Submissa e entregue

Os predadores me fizeram
Terra seca
Rachada e humilhada
Quantas outras terras
Sentem a minha dor?

Os predadores não notam
A terra em que plantam
Seus valores torpes
É a única que lhes pode
Manter a vida

Junto com outras terras
GRITAMOS
Somos senhoras, as terras
E em nós não plantarão mais
Seus frutos secos

Nos querem separadas
Juntas, bradamos
BASTA
Que o leito vermelho que flui
É a soma da dor de todas nós

O sangue que escorre
Pelos veios que formam a bacia
É a memória de todas as que nos deixaram
E deságuam na dor que todas entendemos
E não queremos contar

Unidas vamos em terremoto
Derrubar as casas-grandes
E libertar as que eles insistem em aprisionar
Essa terra é liberdade
Todos os pássaros hão de cantar

Nessa terra, em se plantando, tudo dá: A primeira grande violência brasileira.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Caminhar até a onda

Eu vou caminhar
Até onde a onda pode bater
Eu vou me perder
No tecido cósmico
Que é ser

Eu vou lentamente
Ao ponto onde a energia se dissipa
Eu vou submergir
No tecido lácteo
Da existência

Eu quero a vida
Sendo aos poucos absorvida
Quero ser preenchida
Por cada atitude minha

Eu vou fusionar
Cada parte da minha mente
Na onda, constantemente
Retornando aos tempos
Das batidas no rochedo

Não existe trabalho
Mais lindo do que o que o oceano faz
Manutenção da vida
E do que jaz

Eu sou a onda
Meu trabalho é paz

The Good Place.

sexta-feira, 10 de junho de 2022

Não vou encontrar deus

Sigo pela estrada, tensa, sem destino. O caminho se faz caminhando, caminhando se faz o caminho. Ando e viajo, louca de vida e perdida no nada. Se nada existe, o que me consome? Tem quem procure deus nessa vastidão imensa e escura. Nada encontrará, não há caminho para a fantasia.

Nossos desejos podem ser os mais complexos que as reações orgânicas já produziram. Ligações que não percebem a realidade, que é o fazer. Fazendo é que se existe. A existência é fazer. A inércia é a morte. A falta de desejo é o fim da vida. E a existência é a manifestação de vida. Existência é o que se faz.

A intenção não é fundamento para a existência. A intenção pressupõe finalidade. A finalidade abraça a utilidade. A existência não tem utilidade. O reino da vontade é disperso e por vezes impenetrável pela consciência. Não é possível calcular a todo tempo o que se prefere. As preferências são fluidas, ocultas e voláteis.
 
Estamos em uma máquina de sentimentos é incubada em cinética química, pressionada pelas diversas interações do ambiente. A cada interação, uma complexa cadeia de registros se impressiona e se sobrepõe. Não há utilidade no prazer. O prazer é um princípio e um fim em si mesmo. Nada completa e a nada serve o prazer.

Não dá destino, não há fim. A finitude é também uma ilusão. Ela pressupõe algum valor intrínseco em nossa existência. Narcisismo antropológico. Uma vez que o ser humano foi capaz de criar o senso de indivíduo, ficou a par de sua personalidade. Como ser social, agregou personalidades e características e criou também o senso de identidade.
 
A identidade é uma versão ideal da personalidade. Carregar múltiplas identidades é viver em conflito. A lista de identidades não é exaustiva ou mutuamente excludente. A versão ideal se constrói por repetição e propagação. As personalidades vão se associando voluntariamente, por signos sociais vinculadas, formando idéias difusas e heterogêneas.

O império da razão se desfaz nos ares. Não faço, não existo. A obsessão maximizadora é o desejo manifesto de dominação. A busca de um complemento pelo consumo. Você se entrega para a dor, para o que não lhe interessa. Utiliza a retribuição em consumo. Consomem-se bens, consomem-se famílias, consomem-se relações. Consumir é utilizar. Tornar útil. Dar um fim. Como se uma decisão unicamente racional fosse.

Não há destino, em tempo que o passado é escrito sobre pedra. Não vou encontrar deus. As deidades são o cúmulo da idealização. Se posso imaginar o ser perfeito, é porque sou imperfeita. Deuses não existem. Nem minha existência vai ter permanência daqui a muitos milênios. Se minha existência acreditar em deuses, e minha existência vai se apagar na teia do espaço-tempo, nem eu nem os deuses podemos transcender.

Só eu posso carregar a idéia de deus dentro de mim. Eu só existo fazendo. Não posso fazer deus. Sentido de finalidade, de causa e consequência para a origem e o fim do mundo. É difícil nossa máquina de repetição de padrões aceitar a existência que simplesmente aconteceu. Não temos origem, e não teremos fim.

O que fazemos no meio do caminho é o significado que criamos. A existência pode ser angustiante sem sentido. Ao tempo que todo sentido é falseável. Nem o prazer é um sentido para a existência. A vontade não é um base para a existência. A existência é que é dependente da vontade. E a ação é a consolidação da vontade e da existência.

Um ensaio incompleto anti-racionalista.

sábado, 14 de maio de 2022

Silêncio

A violência é silêncio. Toda vez que silencio, é por violência. Quem cala, consente a violência. Violência é um tapa no rosto, um cale a boca. Boca que diz que eu não sou quem eu sou.

Violência. Me calar é violência. Não importa o que eu faça, eu nunca vou poder alterar o passado. Querer diferente disso é violência. Negar meu presente por que tenho um passado é me anular. Uma pessoa sem história é uma pessoa sem vida. E eu tenho vida. MUITA vida.

Querer? Eu quero ser livre. Eu quero ter prazer. Ou seja, eu quero viver. Eu quero carinho e afeto. Não por piedade. Meramente porque eu sou alguém. Alguém que tem carinho. Alguém que pode dar carinho. Alguém que quer dar carinho.

Querer parece um não lugar. Onde eu não existo. Queria também ser objeto de desejo. Mas sou nada. Um lugar que não existe. Melhor, estou em um não-lugar. Não há espaço natural pra mim. Único jeito de estar viva é tomar conta.

Ser desejante e desejada. Numa composição plural, múltipla. Porque a violência é a pior forma de desejo. Melhorem! A violência é o lugar da negação do desejo. O não-desejo é a indiferença.

Eu não sou indiferente. Regorgito os medrosos. Eu gosto dos que tem fome. Dos que secam de desejo. Dos que ardem. Só isso é viver. O resto é existir.

Existo, resisto, vivo. Viva! A todo caminho, uma força diferente. Juntas somos mudança. E há muito a mudar.

Violência? Pensa que eu sou violenta? É porque você está no meu lugar não me deixando entrar. O que vai me parar? Apenas eu. E mais nada. O silêncio não impera mais. Eu vou falar o que quiser, quando quiser. O que for necessário, conforme a minha necessidade. Nada vai ficar como está, conservador. Tudo isso vai acabar. E as minhas irmãs mais novas não vão mais precisar passar por isso.

Violência é você tentando me negar. Não esqueça, negar é desejar. Eu não vou te negar, pois não te desejo. E é esse não-lugar que vai acabar.

quarta-feira, 2 de março de 2022

Campo de guerra

Meu corpo é um campo de guerra. Explosões anti-auto-estima se amontoam pela pele. Tanques navegam pelas veias sem saber onde se encontra o inimigo. Há uma disputa tensa, com declações fortes e nenhum objetivo estratégico. É a auto-violência emulada pela violência externa. Nada resta de pé. Destruição como política de construção corporal.

Quero paz, quero encerrar essa guerra. Tantos ângulos meus que são lindos. Mas eu busco o ideal. O mundo ideal nunca vai ser o mundo real. Só o ideal pode ser perfeito, justamente por não existir. Mas eu sou no campo da existência. O ideal é a dor, e isso me atrai. Não é sadio buscar o ideal durante a existência. Não aceitar as próprias contradições. Nem saber escolher suas próprias batalhas.

A paz mundial é uma paz no meu corpo. E quem eu sou nessa história toda? A liberdade é também falta de força propulsora. É o fim da história. Eu não sei viver, me distancio da minha própria história. E isso intensfica a guerra. Afastar da história é buscar o ideal, o puro e o perfeito.

Isso porque eu não consigo encarar que eu sou. Em minhas derrotas, em minhas dores. A catástrofe é exagero do plano real, que é também uma leitura ideal da existência. Eu não consigo me encarar e fico fugindo na inércia. Ficar parada não é solução, é implosão onde a guerra impera.

Por isso, eu corro. Preciso correr. Pra longe disso tudo, e da guerra. E de mim, para poder voltar a mim.

Nunca acaba

Da floresta dos homens esquecida
Vem o berro da dor lancinante
O passo trôpego como antes
De vida, o amor já esvaida

Queria pisar com os dois pés no ar
E voar até o fim da vida
Esquecer que já fui querida
Pelos becos de amizades de bar

Estar sozinha é procurar sumir
Eu, que não sou suficiente,
Sinto na pele do choro o ardor
 
Enquanto a mente doente
Se afasta do prazer e busca a dor
Intenciono me deixar ir

domingo, 5 de dezembro de 2021

Aproximando sorrisos

Tu estavas tão ocupada
Com teus afazeres pra lá e pra cá
E eu toda arrumada
Estava onde queria estar

Entre um drinque e uma batata
A noite passava
Eu me distraía conformada
Sabia que a hora ia chegar

Na minha frente, tu paralisada
Muitas histórias queres me contar
Eu sempre atenta
Vejo tua mão se aproximar

Adorei o teu sorriso
Quero ele coladinho ao meu
Quando chegar o momento
Não quero tu te vás

Uma noite em Porto Alegre.

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Mais uma vez

Eu te conheço há tanto tempo, não precisava voltar. Como posso confiar em mim mesma se te deixar entrar? Eu sei que o sol vai voltar amanhã, mas essa noite dura tanto tempo. ¿Se a noite não encerra, eu me encerro e não saio mais disso? Não é justo ou adequado. É pura covardia e inação.

Afinal, ¿medo do quê se o que me machuca é ficar neste lugar inútil e fúnebre?

¿Como posso numa semana estar altiva e confiante e, noutra, trapo velho? ¿Será isso tudo fuga?

Eu realmente queria aguentar pra ver o sol, só que essa noite me cansa demais. É pior do que correr em círculos, é correr numa esteira que anda contra mim e querer acabar uma maratona.

Muitos dias eu só estou fraca, limitada, debilitada, besta, presa. Enquanto isso, o mundo não para de girar. 24 horas rodam pra todo mundo.

Neste parágrafo nada é relativo. Sou absolutamente nada. Uma mera imagem num espelho sem ter no que se espelhar. ¿Será que eu estou tão machucada que estou me anulando? 

E assim vou navegando, pois navegar é necessário, viver não é necessário. Nenhum destino a chegar, nenhum porto pra descansar. Preciso de terra firme.

Tem gente que não sabe amar. Eu por exemplo, só sei me doar. Não esperar nada em troca é altruísmo, apatia ou negligência? Não tenho como olhar com generosidade a mim mesma, pois o barco apenas navega sem chegar a lugar algum. Nada se completa, estou desconectada de tudo. Nada nem ninguém pra confiar. ¿Como vou confiar em mim mesma?

Esta reunião precisa se encerrar, você precisa ir embora. Nunca foi boa companhia, eu não gosto de você. Não faz diferença se vem avisando antes ou se chega de surpresa. Mas você sempre volta. Vive a me machucar, ¿será que um dia eu vou aprender?

segunda-feira, 17 de maio de 2021

De um lado a outro

Eu fico pensando
                        De dia na cadeira
Em quanto eu me amo
                        De noite na cama
E quando
 
                        Na internet
Eu fico ditando
                        Na rede
Cogitando
                        No mundo
 
Fugindo
                        Pela janela
Mergulhando
                        No profundo
Caindo
 
                        Na garganta
Grito
                        No peito
Vejo
                        No ocaso
Meu desejo

Desordem

Planejar indefinidamente
Buscar o futuro da vida
Sem presente, sem disciplina
Tudo em desordem
 
O erro é a organização
Coordeno atividades inexistentes
O posterior, infelizmente,
Está nos meus olhos

Não me mostre como viver
Não sou capaz de botar em prática
Não me mostre como morrer
Pois vou sentir sua falta

Olho pro software, update
Perdi o caminho da atualização
Pane no sistema, travou
Vamos reiniciar mais uma vez

Estou desconectada
Nem no cabo, nem no ar
Ignoro o mundo e finjo que tá tudo bem
Mas eu sei que tudo arde lá fora

Não me ensine como viver
Você nunca soube fazê-lo
Não me ensine como morrer
Também não existe companhia
Ao fim de tudo...

System of a Down, Audioslave, Pitty. O rock que me ensinou a me permitir sentir dor.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Leve como o mar

O breu profundo nos meus olhos
Meu vestido longo, em fenda alta
Um azul profundo no balanço,
Nas ondas do teu compasso

Como o mar se chocando em terra firme
Eu sentia teu coração pulsar colado ao meu peito
Do meu seio fluia suor e tensão
Das tuas pernas, tesão

Há quem se engane
O oceano não produz ondas
Quem emite conduz a dança

Fecho os olhos, o mundo se reduz
Ao teu braço na minha cintura
Me deixo conduzir

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Quartzo

Coração de cristal
Sincronamente a pulsar
Brilha com o sinal
Do piscar do teu olhar
 
A sensação de arrepio
Ofegante, delirante
Esfrega a pele, calafrio
Esquece a perna, vai adiante

Pela espinha, ondas de calor
Se propagam em vapor
Em pé, me pus

Coração que afoga a luz
Caminho desmedida, em paz
Lembrando do que você me faz

Corazón de cristal, Drexler.

domingo, 1 de novembro de 2020

Íris

Nós enxergamos o mundo com nossos próprios olhos. A luz vem do exterior, regulada pela íris, transformada em impulso elétrico pelos bastonetes e cones. E então, processada pelo cérebro no tálamo, e no córtex visual difundida, identificando as características objetivas do ambiente, dos objetos, dos movimentos. Após, é difundida ao cérebro, que passa abstrair a realidade e identificar e conectar conceitos.

A íris regula o que podemos perceber do mundo naturalmente. E o que podemos depreender do mundo depende de suas ações e reações. Veja, o mundo é uma percepção objetiva, avaliada pela nossa subjetividade, que nos permite uma grande complexidade de reações objetivas e subjetivas.

Construir o mundo, desconstruí-lo, destruí-lo. Começar, terminar, recomeçar. Conforme percebemos, interpretamos e agimos. Isto não é mecânico, pelo menos em parte. O movimento da realidade, ao abstrato e de volta ao concreto. Coletivamente e individualmente. Construímos a partir do que os outros fizeram da gente. Este inferno que podem ser os outros, caso existisse inferno.

Do romantismo, um abstrato idealista. No entanto, o mundo não se curva aos nossos caprichos. Do realismo, o poder e seu processo amoral de obtenção. O poder pode ser um fim em si mesmo, conforme nossa ignorância. De nada serve o poder, seja o de controlar pessoas, sejam os pedaços de metais e de papel universalmente aceitos, se não forem transformados na vontade, conforme sua habilidade. É preciso perceber o mundo conforme ele existe, com a precisão de um artesão experiente. E como um artesão, transformá-lo em parte, em utilidade qualitativa e quantitativa. Nossas necessidades podem parecer infinitas, como se o tempo para um humano fosse infinito.

A íris, que controla o que percebemos do mundo, e as conexões de tantos gânglios que transformam isto em abstrato. Ao controle das mãos que movimentam o mundo. Nada é fixo, nada se repete. Em pequenas iterações, com seus muitos "ses", criamos funções e objetos, que podem fazer o trabalho por nós. A vida é um constante oxidar, que nos envelhece lentamente. Em processos pré-determinados, em códigos finitos, em parte já decorados, ao aparente infinito que se aparenta na entropia humana.

O que demanda nossa atenção, nossa força, nossa energia, nos cria, nos guia, nos molda. Somos quem podemos ser, sonhos que podemos inventar. Aparentemente aleatórios, desejos incontroláveis, raivas descabidas. De cada pessoa levo um pedaço que me compõe em notas conflitantes, em um ritmo que nem sempre posso controlar. E nessa música da vida, danço cada vez mais livre. Quem sabe um dia, possa eu ensinar a voar. Com a beleza e a elegância dos movimentos certeiros e harmônicos, ressonar meu canto por todos os lugares para apenas sentir a reflexão que cada ume irá reverberar.

Do mundo natural, meço. Cálculo, concluo. É um desafio inserir a percepção qualitativa, que se descreve apenas em variáveis fictícias, positivas ou nulas. Nada lhes nega, nada lhes completa. Nossa abstração lógica ainda não é párea para a realidade que nos cerca. Mesmo a mais poderosa capacidade computacional é inútil se não lha damos modelos.

Nossa sensibilidade ao mundo tangível é o limite que nos faz sentir. A sensibilidade que aflora as emoções e enebriamos com entretenimentos sem fim. Sentir é a mais completa forma de receber o que nos é apresentado. Emociona-se é a abstração mais linda que podemos exercer. A íris sente, e por isso é tão especial. E ao sentir, nos faz ainda mais únicos, com nossas percepções únicas.

Aos signos, o essencial. Do mundo quero a arte, o amor, as sensações que só um cheiroso bolo no forno pode oferecer. Em troca, lhe ofereço potência, melhorias, estrutura. O que eu quero é mais do que liberdade. É dignidade, companheirismo, reciprocidade. Coisas que começam na íris até minha capacidade de conceber.

A exuberante capacidade de ser.
"Duas pessoas vem em direções opostas por uma mesma estrada carregando um pão. Se ao se cruzarem, trocarem os pães, cada uma irá embora com um pão. Se ao se cruzarem, trocarem uma idéia, cada uma irá embora com duas ideias."

sábado, 3 de outubro de 2020

Entranhas

Olho pra esta lápis-lazuli
No meu peito pendurada
Há milhões de anos moldada
Por seus veios onde li

Que existimos desde as tenras eras
De quando a terra se formara
Vida coexiste em esfera rara
Existência em matérias meras

¿Estranhas?
Viemos todos do mesmo lugar
Todos os seres igualmente evoluídos

Entranhas
No receptáculo corpo, azul de mar
Habitando no mesmo espaço-tempo

Leminski e Antunes

domingo, 20 de setembro de 2020

Interactive love

I need to fall in love. Deep inside of me, there is a love without boundaries. Someone to idealize, to keep in touch, to miss. Yes, I can love myself. But when you let someone access your feelings, it's a way of love. Love as interaction is a different way of nurture myself. As I feel the other, the other feel myself, and that makes me see myself. I'm on the other as the other is inside me.

I need to fall. Break into pieces. Then get up and walk again. Feel the fall is to be alive. I feel in love and the love in me is a feel. To fall in love is to fall inside of me. I need to feel in love. It's part of me, like a leg that let me walk free.

Come over, let's find love, let's create love, let us be ourselves. It's up to me, it's up to you. What you do to me, and what I do to you is what reality is. Love is the creation of a better reality. The world is what we see and what we do with it. Then, let be love, in numerous ways it can be. It's all about construction. And when the time's up, let it burn.

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Espelho

Olho para o espelho e me vejo
Reflete a mim e ao mundo
Nem sempre foi assim
Hoje, já me construí muito

Olho pro espelho
Já tendo trocado de pele
Como a aurora da minha vida
Os vinte não me cabem mais

Procuro aos trinta
Renovar os sonhos
Desejar o planos
 
Volto com mais força
A jornada reinicia
O mundo vai girar

sábado, 22 de agosto de 2020

Futuro em chamas

O futuro me chama
Me componho
Cada nota é uma mensagem
Que reverbera no meu corpo

O passado é linha
Pauta onde posso escrever
Novos sonhos e planos
Com sabores de vinha fermentada

Futuro em chamas
Me recomponho
Cada membro é lenha
Que crepita no meu fogo

O passado é pinha
Múltiplos frutos do mesmo ser
Reescrever é tomar nota
Dos detalhes desapercebidos